A fuga

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Naquela manhã, Severus não tinha nenhuma vontade de levantar da cama quando bateram na porta pela primeira vez. Não queria vestir aquelas roupas engomadas, nem deixar que ajeitassem perfeitamente os cabelos e muito menos lidar com o evento do dia. Levantar para ver um bando de gente que se quer se importava com a morte de Albus e só esta alí por aparência era algo detestável. Além disso, não queria ter que enfrentar a realidade que vivia no momento. No entanto,  apesar de não ter nenhuma vontade sequer, Severus levantou em um pulo, ansioso pelo que faria no dia. Precisava se preparar para abandonar a vida palaciana.

      A fuga havia sido meticulosamente planejada nos dias seguintes a discussão com o pai. O plano repassava inúmeras vezes na cabeça do príncipe que revisava cada passo daquilo que salvaria sua vida. Era simples, prático e muito eficaz. Primeiramente, Severus desceria para o velório no grande jardim, faria as devidas despedidas e assistiria o enterro. Depois do enterro, ficaria tempo o suficiente para sua presença se tornar insignificante aos demais. Nas sombras de algum corredor, o jovem beberia um frasco de poção polissuco com os fios de cabelo de um dos serviçais do palácio que fora cuidar da arrumação do mesmo mais cedo. Vestiria o uniforme de trabalho que já havia separado para si e andaria apressado para a saída dos funcionários, próxima ao dormitório dos elfos domésticos. Passaria pelos muros da fortaleza e dali iria para a densa floresta a alguns metros de distância.

         Tudo precisava ser perfeito. Poderia findar na parte sem saída do castelo ou ser visto e impedido se falhasse. Necessitava também de separar tudo necessário para sobreviver até a civilização mais distante, já que ao aparatar deixaria um rastro de magia notório. Por isso, revirava o quarto de ponta a cabeça procurando tudo o que precisava e jogando em um baú com feitiço indetectável de expansão.

         - Onde está a droga daquela caixa?- Severus esbravejou revirando uma gaveta da cômoda próxima.- Accio caixa de poções!

          Uma mala quadrada de couro de dragão voou de debaixo da cama velozmente para as mãos do sonserino. Sorrindo satisfeito, Severus sentou-se na cama abrindo-a com ânsia. Dentro havia uma série de frascos, de todos os tamanhos, com diversos conteúdos e muito bem rotulados. Os dedos ágeis passavam pelos vários vidros, até parar em um com um líquido verde escuro. O fascínio por poções nunca veio tanto a calhar. Suas obras, como diria o mesmo, eram sempre perfeitas, então a transformação duraria mais do que o suficiente para estar um tanto longe do castelo. Era um hobbie do garoto desde cedo de fazer as mais diversas poções, o que deixava, muita das vezes, seus cabelos com aspecto oleoso devido as essências das ervas. Mas tudo tinha válido muito apena para Severus agora.

          Separou o frasco dos demais, escondendo-o em um dos bolsos. Guardou o repartimento no baú e finalmente o fechou. Lançando um feitiço para diminui-lo, o guardou sua mala no mesmo bolso da poção. Tinha finalmente tudo pronto e não conseguia parar de sorrir com o mar de possibilidades que tinha pela frente. A liberdade parecia promissora e mais próxima do que nunca.

        As batidas na porta do quarto avisavam que apesar de perto, a fuga ainda não era completamente certa. O jovem respirou fundo, enquanto sacudia as mãos para extravasar a alegria, abrindo a porta com o rosto neutro.

       - Oi, Sev!- disse o jovem alguns anos mais novo a sua frente.

        Os olhos cinzentos e a cabeleira escura como a noite eram inconfundíveis para Severus, que não conteve um sorriso ao ver Régulos Black. Ambos se tornaram muito próximos durante Hogwarts. Por causa da timidez, Severus muitas vezes passava o tempo sozinho ou agarrado a Lucius. Quando o jovem Malfoy terminou a vida acadêmica, o sonserino não viu nenhuma opção a não se permanecer na solidão.

       Viver enfurnado na biblioteca passou a ser parte da sua rotina. Em um canto entre as últimas prateleiras da sessão reservada, Severus passava o tempo livre com a cara em um livro qualquer. Era só mais uma tarde quando Régulos invadiu o espaço do outro. Não era comum pessoas por alí, mas vez ou outra sempre surgia um casal cheio de hormônios, então não era anormal que o jovem já soubesse expulsar pessoas com um único olhar. E ele estava prestes a fazer isso, no entanto o estado de Black o impediu. O menino tinha os olhos marejados e tremia. Aquilo foi um choque para Severus. Em hipótese alguma um sonserino iria se expor dessa forma em um local público, principalmente um descendente Black. Porém parecia que Régulos nem se dava conta disso, já que se sentou ao lado do outro sem inibir o choro. Naquela tarde, o menino havia tido uma briga feia com o irmão mais velho que findou com Sirius dizendo que estava farto daquela família. Severus escutou o desabafo de Régulos indignado enquanto algo dentro de si dizia que precisava proteger o mais novo. A partir disso, o sonserino tomou o posto vazio de irmão mais velho no coração de Régulos, criando um vínculo forte entre os dois.

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