"Enquanto eu não tiver um nenê, o nenê sou eu!"

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Durante sua oitava ou nona série – quando se é infeliz a vida toda, datas tornam-se irrelevantes e confusas –, Gen simplesmente parou de sentir.

     Num momento, tudo era simplesmente impossível de processar, a dor excruciante não deixando de ronda-lo.

     Noutro, seu interior foi engolido pelo Vazio, que construiu uma prisão impenetrável para toda e qualquer emoção. E, a partir dali, as coisas ficaram lidáveis.

     Quando não se sente nada, você dificilmente se machuca.

     Ninguém pode brincar com seus sentimentos se você não sentir nada.

Fingir torna-se bem mais fácil, já que o único empecilho é saber o que a pessoa espera que você expresse, coisa que nunca foi problema para Asagiri.

     Suas reações continuavam saindo naturalmente, então não precisava preocupar-se com heroizinhos de plantão vestindo uma personagem piedosa correndo atrás de si para perguntar sobre o motivo de parecer um robô ou zumbi.

     Nada disso mudou quando descobriram suas habilidades como mentalista e ilusionista e deram a si a chance de estrelar na televisão. Na realidade, a dissociação – apelidada carinhosamente pelo bicolor de "O Vazio" – facilitou a transição para o mundo da fama.

     Inserido em tal universo, aparentava ser exatamente como o jovem galã carismático que conquista a todos na televisão e o oportunista desgraçado e manipulador nos bastidores para que não tentassem puxar seu tapete – assim como seu maldito progenitor era.

Sua gentileza pouco era usada, pois era vista como ingenuidade e fraqueza.
O bom humor como uma grande tolice.
As risadas e sorrisos como apenas táticas de manipulação eficazes e discretas.
Elogios sinceros eram inexistentes, tendo o lugar roubado por bajulações ensaiadas para alcançar e conceder desejos fúteis.

Pouquíssima coisa mudou quando Tsukasa desfez sua petrificação, por mais que tudo isso fosse desgastante por demais.

Até que notou aquela data escrita numa árvore perto das caverna dos milagres.

Até que conheceu um vilarejozinho simpático com pessoas simpáticas.

Até que viu que ainda existem pessoas corajosas o suficiente para lutar pelo que acreditam: um bem maior, um futuro mais brilhante para os que amam. E percebeu que elas precisavam dele e, mais do que isso, preocupavam-se consigo.

E é assustador para quem passou quinze anos tendo que se virar sozinho, largado às traças. Nem mais achava-se digno de carinho e afeição.

     E por isso chorou feito um bebê com a coroa de flores que ganhou de Suika.

— V-você é mui-to talentos-sa, Suika-chan! — contornou levemente o trançado complexo com as almofadinhas dos dedos, encantado.

— A Suika faz isso desde muuuuito neném, então é mamão com açúcar! — colocou as mãozinhas sobre os quadris, orgulhosa, para logo formar uma expressão incerta — "Mamão com açúcar" cabe nessa frase?

— Cabe direitinho, Suika-chan! — deu palmadinhas de leve sobre a cabeça alheia com um sorriso sincero — Tenho orgulho de ser seu professor!

Waaah! — comemorou com um pulinho — Vai sentir muito mais orgulho quando eu aprender um montão de coisa e ajudar o vilarejo toooodo! Haha!

     Tornou a analizar a peça, O Vazio ocupado demais em reconstruir-se para segurar o Tsunami de dor que veio com a lembrança de como fizera uma coroa de flores para a própria mãe no dia da fuga da mesma. 

Boa pessoa [Gen Asagiri]Onde histórias criam vida. Descubra agora