"A sua cara 'tá horrível"

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"O que você sabe sobre esforço?"

     "Fica longe do Asagiri! Vai que ele te manipula?"

"Voto de castidade com quem? O capeta?"

"O que você sabe sobre esforço?"

"As notas que ele tira devem ser altas só porque ele subornou os professores ou fez eles caírem na sua lábia ..."

"Ele assusta um pouquinho quando dá aula ..."

"O que você sabe sobre esforço?"

"Ele deve vir assim na escola, todo estrupiado, p'ra gente ter pena e depois tirar vantagem de nós que nem o pai dele faz!"

"A sua mãe não vai voltar só porque você tirou dez na prova."

"O que você sabe sobre esforço?"
"O que você sabe sobre esforço?"
"O que você sabe sobre esforço?"

Eu sou uma pessoa terrível.

...

Garganta raspando e nariz congelado e dedos dormentes e cabeça doendo e um zunir nos ouvidos que não deixava eu distinguir as vozes ensurdecedoras ao meu redor e olhos pesados como chumbo e mãos prendendo-se firmemente a mim.

Ouvi a voz da minha mãe.

Tentei chamá-la, mas não tinha forças.

Não sabia mais o que era real e o que era fruto do meu subconsciente doente.

...

Senti calor.

O calor em questão era gostoso como os abraços de mamãe eram.

Quis chorar com a lembrança.

Tentei abrir os olhos apesar da cabeça latejando. Minha visão demorou para focar.

Estava no observatório, deitado sobre meu próprio futon quentinho. Colocaram uma espécie de lareira para aumentar a temperatura do local. Havia um pão de François e um copo de água ao meu lado, e pareciam deliciosos.

"Você 'tá dando trabalho de novo, seu inútil" gritou Razão.

Patético patético patético patético patético patético patético-

— A bela adormecida acordou. — disse, rouco.

Por mais que não tenha virado a cabeça repentinamente, o movimento me fez ver pontos pretos de dor.

Senku estava sentado sobre seu próprio futon, os braços cruzados e cara de pouquíssimos amigos.

— A sua cara 'tá horrível. — foi o que consegui dizer.

— Você 'tá parecendo um filhote de cruz credo e nem por isso eu to pontuando.

Fechei a cara. Tentei sentar, e bebi a água que deixaram para mim. A sensação do líquido contra a pele irritada doeu.

— Não devia estar fazendo suas coisas científicas que exigem esforço e trabalho lento e contínuo?

— Peguei gripe. — resmungou — E, pelo visto, você também pegou.

— E daí?

— Quer causar uma pandemia na vila?! Não temos vacinas ainda!

— Eles não precisam de nós para pegar uma gripe.

Mordi o pão de François. A gripe fez com que tivesse gosto de areia. Quis chorar.

Tanto faz, Mentalista. Você não vai sair daqui até se recuperar.

— Então você também vai ficar preso aqui, Senku.

Se percebeu que não usei o "chan" consigo, não transpareceu. Seu olhar era fulminante, mas nem liguei. Suspirou pesarosamente, irritado.

Ku-ku-ku. Eu vou. Dez milhões de pontos pela sua percepção, Mentalista.

— 'Tá bom, grosso. Eu e minha percepção não vamos te incomodar enquanto estivermos presos aqui. Fica sossegado.

     Terminei meu pedaço de pão e voltei a deitar, de costas para o Ishigami.

     Não quis que visse as lágrimas em meus olhos rolarem, transbordando. Consegui segurar os soluços e controlar minha respiração.

     Ele já sabia que eu não sei nada sobre esforço. Não precisava de mais gente vendo como não passo de um bebê chorão e horrível e egoísta.

     Como posso estar tão, tão, tão cansado tendo me esforçado tão pouco?

Boa pessoa [Gen Asagiri]Onde histórias criam vida. Descubra agora