"Só no refri e sertaneja 'sofrência'"

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Chrome estava sempre abarrotado de trabalho junto a Senku e Ryusui, mas isso nunca impediu que aprendesse a ler e escrever.

Mesmo que ficassem ele e Asagiri até altas horas da madrugada recitando trava-línguas à luz de vela com os olhos quase fechados de sono e com mais tinta nas mãos do que no papel ao treinar a caligrafia.

Gen nunca nem se deu ao luxo de reclamar sobre as noites mal dormidas – porque o castanho tinha o olhar de quem quer devorar o mundo e invejava isso dele, sentindo-se na obrigação de ajudá-lo como podia.

— ENTÃO QUER DIZER QUE EXISTIAM LUGARES CHEIOS DE PAPÉIS GUARDADOS NUM NEGÓCIO DE COURO ONDE VOCÊ PODIA APRENDER SOBRE TUDO QUE O SER HUMANO JÁ FEZ SÓ ENTENDENDO UNS RABISCOS MUITO LOUCOS!? — exclamou, as orbes cor de chocolate cintilando de excitação.

— É. Mais ou menos isso. — concordou Senku, cutucando o ouvido com o mindinho.

GWAAA! QUE MANEIRO, CARA!

— Até mesmo a Suika poderia entrar nesses lugares? — perguntou a pequena, encantada.

— Dez bilhões de pontos p'ra você, Suika-chan~! — Gen bateu palminhas — Mas, com o tempo, acharam outras formas de guardar informações e as bibliotecas se tornaram obsoletas.

— Abso- quê?

— Não precisavam mais delas. Nem um milímetro. — explicou o cientista, suspirando com resignação — No fim, viraram mais um dos lugares onde pessoas trocam fluidos corporais às escondidas.

— Fluidos corporais ...? — repetiu Chrome, que gradualmente foi ganhando um tom carmim — HUH!?

— O que ele quer dizer com isso, Gen-Sensei? — a pequena perguntou.

O rapaz, dessa vez, sentiu uma pontada de constrangimento e nervosismo que fugiu do Vazio. No entanto, nada muito expressivo.

Ah, bom ... é coisa de adulto. Não se preocupe com isso agora, ok?

Hmmm ... ninguém nunca explica nada p'ra Suika ... — saiu meio borocoxô para brincar com os outros.

— M-mas isso não é errado!? — tornou a questionar o cienceiro.

— Diga isso para o Mentalista.

Eu?

— Você é a típica espécie que leva a todos os muitos parceiros para a biblioteca para fazer coisas impróprias.

Gen nunca levou ninguém à biblioteca.

Ninguém nunca chamou-lhe para ir à biblioteca com tão lascivas intenções.

Ninguém de sua escola jamais quis beija-lo. Perdeu seu BV aos dezoito com um estagiário que ficou bêbado o suficiente para confundir o bicolor com seu ex.

Mesmo antes de sequer suspeitar de que era bissexual, já faziam de sua vida um inferno na terra por causa de sua sexualidade. Os meninos tinham nojo de si e as meninas tinham certeza de que ele trairia-as na primeira oportunidade caso tivessem uma relação.

Na única vez em que chegou a declarar-se a uma de suas crushs de pré-adolescência, por meio de uma carta sincera e escrita de todo o seu coração, a menina picou-a em pedacinhos bem na sua frente enquanto dava risada. "Eu não vou cair nessa, seu aproveitador barato" foi o que disse, olhando-o ao fundo de seus olhos, como se o bicolor fosse uma espécie de verme.

Teve uma espécie de paquera durante seus dezoito anos, quando sua carreira começou a dar certo. Mas seu coração estava machucado demais para dar abertura ao rapaz, e ele logo cansou de esperar. O beijo roubado daquele maldito estagiário foi o último prego no caixão de um possível relacionamento entre os dois.

Gen Asagiri, entre outros infinitos defeitos, tinha um dedo muito, muito, muito podre no amor.

— Ora, Senku-chan! Que coisa mais perversa a se dizer~ — cantarolou, O Vazio engolindo-o — Pois saiba que eu fiz meu voto de castidade!

— Voto de castidade com quem? O capeta? — Kohaku intrometeu-se, sentando-se perto de Chrome.

— Assim vocês profanam a minha imagem! — fez cara de choro — Logo eu que fico só no refri e sertaneja "sofrência"?

Ahan. A gente finje que acredita. — o cientista revirou aos olhos.

Dor, vergonha, raiva, indignação. Era isso que pessoas normais sentiriam numa situação remotamente semelhante.

Gen sentiu vazio, vazio, vazio, solidão.

Boa pessoa [Gen Asagiri]Onde histórias criam vida. Descubra agora