Estou começando a desacreditar que o cervo vive aqui, percorri um longo caminho e não há um rastro dele. Sinto que cada vez que me afundo nessa floresta mais longe e perdida de casa fico, não quero desistir, mas o cansaço e o medo estão tomando conta de mim, a chuva já se cessou e um frio se apossou desse lugar, estou apenas de calça e os braços descobertos, a água do meu cabelo está escorrendo pelo meu rosto e costas, estou dando passos cautelosos para não chamar a atenção de outras feras.Uma neblina densa está surgindo sorrateiramente pelas árvores, ouço passos leves sobre as folhas úmidas, me afundo lentamente na neblina, consigo ver longos chifres como galhos de uma árvore branca, seu corpo grande se destacou pelo brilho que emanava de sua pelagem, pureza, ele se alimentava da grama que surgia quando suas patas tocavam ao chão.
O grande servo branco me olhou quando me abaixei para observá-lo, ele ficou imóvel me olhando com aqueles olhos turquesa, como um ser tão belo e puro vivia em lugar cheio de bestas, mas era o equilíbrio do bem e do mal. Levei minha mão ao cabo da espada e hesitei, não conseguiria, o que me valeria? Uma coroa em troca de uma vida, era isso que o rei pediu. O cervo me olhava nos olhos, e eu conseguia ver sua bondade.
Jamais mancharia a coroa com sangue puro, inocente, não seria eu, e minha mãe jamais faria isso. Andei agachada, lentamente até o cervo, me levantei com a cabeça abaixada e estendi minha mão em sua direção, queria tocá-lo, mostrá-lo que não queria o ferir.
O senti cheirando minha mão, ele se moveu encostando sua cabeça, meus dedos se afundaram em sua pelagem macia, não queria olhá-lo pois sabia que não era merecedora, apenas tocá-lo era o suficiente. Os arranhões em minha pele estavam se curando, a minha dor, meu cansaço e medo tinham se dissipado com as feridas. Tudo estava calmo, não ouvia nada, apenas a sua respiração.
Algo chocou contra o chão violentamente, abri os meus olhos e havia ao lado de meu pés uma flecha, e logo outra passou entre eu e o cervo, ele recuou, levei minha mão a espada a retirando, não deixaria o matarem.
— Vá! — gritei para o cervo.
Ele ficou em duas patas quando a terceira flecha rompeu por ele, me coloquei em sua frente para o defendê-lo, estava cega pela neblina que cobria o local em minha volta.
— Vá, agora! — gritei novamente para o cervo.
O grande cervo entrou na densa neblina, sumindo, levantei minha espada na altura do rosto, esvaziei minha mente, tentando me manter em alerta a qualquer ruído. Consegui ouvir o som da flecha sendo arrastada no arco, o som da corda puída rangia ao ser esticada, ele estava prestes a atirar, mirando em sua presa, alguém estava tentando me eliminar, não apenas do Netac, como da vida. Se ao menos eu conseguisse saber onde essa pessoa estava, conseguiria me defender, é como se eu estivesse vendada pela neblina.
No momento em que a flecha passou pelo meu braço direito, o cortando, soube de onde estava vindo as flechas, e corri para atacar, aproveitando o intervalo de uma flecha para outra. Era a minha chance de saber quem estava fazendo isso.
Ao adentrar na neblina, o ataquei, batendo a minha espada em um tronco que havia ali. Levantei o meu rosto e lá estava meu caçador, agachado sobre o tronco, seus cabelos loiros sobre o rosto e eu o reconheci, não era apenas um jogador, era o meu irmão. Víbora, eu vivia no meio delas, pisando leve para não ser picada.
— O que pensa que está fazendo? Me matar foi o desejo dela? Ou é o medo de me ver sentada no trono? Vendo você sendo obrigado a se ajoelhar perante a mim.
— Medo? Você tem uma imaginação muito fertil — ele riu — Você não é nada, para mim, para a minha mãe e nem mesmo para o meu pai. E pensa mesmo que será rainha? Sem reino e sem povo? Acha mesmo que irão te seguir? Rainha do nada e de povo algum — ele riu de sua própria piada.
Um calor percorreu todo o meu corpo, uma fúria cresceu em meu peito me fazendo puxar a minha espada que estava presa no tronco, a arremessei em sua direção, que o desviou, cortando apenas a mecha de seu cabelo.
— Irá se cortar, Rainha...
— Vou fazer você se arrepender de suas palavras, víbora!
— Acho que papai irá ficar furioso quando souber que deixou o prêmio dele escapar — falou se desviando de meus ataques — Mas sabe o que isso me garantiu?
— Sim, minha espada enfiada em seu peito!
— Tente novamente — riu, correndo por entre as árvores.
— Está fugindo, irmão?
— Jamais...
Ele surgiu por trás de mim e me empurrou na ladeira que havia ali.
— Te encontro na arena, irmã.
Jogo sujo, sei qual é a sua intenção em me jogar aqui, ele quer me atrasar, ele quer que esse embate aconteça perante o povo.
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Coroas e Espadas
FantasyLivro 1: A Coroa de Ferro. Rosalie é a princesa de Notolia, um reino que rege todos os outros. Perdeu sua mãe um ano após seu nascimento. Cresceu com a amargura de seu pai, que a desprezava por ter uma aparência tão idêntica a sua falecida esposa. O...