Brianna

Eu deveria estar trabalhando, e sei disso.

— Eu deveria estar trabalhando, e você sabe disso. — digo ao meu médico.

— É? Se quisesse estar trabalhando, estaria também se cuidando.

— Qual é, Holland, eu não posso controlar uma infiltração. E o cano está dentro da parede, se eu tento chegar até ele para tentar descobrir o que posso fazer para consertar, a poeira acaba com o que resta dos meus pulmões. Você me disse isso.

— Sim, e a sua alternativa é ficar em um lugar que também acaba com os seus pulmões? Mais devagar ou não, Brianna, estamos ficando sem tempo para salvar seus pulmões. Você precisa entender isso. Precisa se cuidar. Não está bonito isso aqui. — ele balança o exame. — Isso aqui começou em Washington e lá não era sua culpa, mas agora só você pode se ajudar. Viver em um lugar com mofo não é se ajudar.

— Você pode, por favor, não citar Washington?

Ele deixa os ombros caírem e coloca o exame na mesa.

— Você sabe que eu entendo o porquê. De tudo, de você não gostar de ouvir falar de lá, de você se ocupar tanto que não consegue se cuidar, e dos seus irmãos fazerem o mesmo. De você não querer se cuidar. Brianna, eu entendo. Mas isso não pode continuar assim. Venho te falando isso, seus ataques vão piorar exponencialmente se continuar assim, e aí será uma questão de quando, não de se.

Ele me fala isso desde sempre, e eu tento, juro que tento.

— Eu sei, Holland. Vou tentar achar um lugar novo para morar.

Sem acreditar muito em mim, ele me libera, mas só depois de eu prometer voltar imediatamente se sentir qualquer coisa. Vou para a casa do Harvey em um táxi, evitando a caminhada para não sentir qualquer coisa. Chego lá três horas, vinte e sete minutos e quarenta e três segundos atrasada para o trabalho, e ele só acena para mim quando chego.

— Finalmente você chegou.

— E não vou conseguir ficar muito. Tenho que procurar um lugar para ficar enquanto meu apartamento desmofa.

— Desmofa? Como assim?

— O prefixo -des significa negação, ou neste caso, contraposição, mofa vem do verbo...

— Eu entendi a etimologia, Brianna. Quero saber como assim o seu apartamento mofou.

— A tubulação do apartamento de cima está quebrada, aí vaza água. O morador disse que tinha consertado, o inquilino quis fazer uma verificação, mas ele não aceitou e agora quem sofre sou eu.

— Você tem uns vizinhos bem merda, né? Fica aqui, você já tem um quarto e já conhece o ambiente, é melhor.

— Eu não vou morar com você, Harvey. Tá querendo me pagar insalubridade? Você é barulhento demais, eu preciso dormir.

— Vamos fazer um acordo. Eu não faço barulho e você não se expõe ao risco.

Penso nisso. Acredito nele? Não. Tenho outra opção que não me custe um dinheiro que tenho? Não.

— Tá bom, mas vou querer uma pizza para cada dia que você fizer barulho.

— Acabei de dizer que não vou... — meu olhar faz ele parar de falar. — Eu vou tentar, tá bom? Me dê alguns créditos.

— Nah, não tenho crédito nenhum pra dar, estou no débito em todos os aspectos possíveis. E eu escolho o sabor.

— Nada com abacaxi no meio, me recuso a pagar por uma atrocidade dessas.

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