Brianna

Não consigo concentrar em nada nos dias que se seguem. Cada barulho me apavora, porque acho que é o meu celular, então trabalho durante a noite quando não tem tantos barulhos e durmo durante o dia. O Harvey tentou me levar para vê-la algumas vezes desde então, e saber que ela está tão perto dói, mas o que acaba comigo é não conseguir ir. Não consigo me fazer encarar o que a violência faz mais uma vez. Minha mente vaga de volta para aquela noite frequentemente, para o vento frio e o cheiro metálico...

— Brianna. — o Guzman chama. — Você está aí?

— Não de verdade.

— Bri, você não pode continuar assim. Lembra do que a sua terapeuta disse daquela vez?

— Eu fui ver ela umas duzentas vezes, Guz, você precisa ser mais específico.

— Não é sua culpa que o mundo pode ser perverso. Você não pode controlar o mundo, você só é a causa do que você cria, inclusive estes pensamentos intrusivos. Brianna, você não tem culpa, e ficar pensando no que poderia ter feito nessas duas situações não te ajudará em nada, e pior, te fará voltar para aquela espiral descendente que você viveu por meses.

— Eu não vou voltar... — ele me corta.

— Você já voltou. Já está agindo como se fosse a sua culpa. E está evitando vê-la, mesmo que isso seja o que você mais quer fazer.

— Eu não consigo, Guzman. — murmuro. — Não consigo. Eu... eu não consigo explicar. O Harvey me levou lá, mas quando saí do carro e olhei para o prédio, a ansiedade foi muito mais forte do que eu me acostumei desde as grandes crises.

Ele xinga alguma coisa e aí escuto o nome "Lego" e isso tira toda a tensão da conversa.

— Se apenas existisse alguma coisa como a cegonha para eu entregar ele por alguns minutos, enquanto arrumo essa bagunça. — ele resmunga claramente.

— Existe uma coisa chamada "mamãe", que ele provavelmente gosta mais que da cegonha.

— A mamãe está trabalhando desde às duas da manhã hoje, eu sou tudo que ele tem. Ah não. Ah não, Milo. Bri, eu te amo e você sabe que eu te amar não é suficiente, você precisa se amar antes de tudo, e para isso você precisa aceitar ajuda e tudo mais, tá? Este é um resumo do que eu ia falar, porque o Milo se deu um banho de leite, e a Bella vai acabar comigo se sonhar que ele sujou a roupa nova. Por favor, se cuida. Tudo ao seu redor é substituível, mas você não é.

Com isso ele desliga, e me deixa encarando a televisão gigante do Harvey. Vejo o reflexo do próprio se aproximando do sofá, e ele pula o encosto e pousa ao meu lado.

— Você já terminou de trabalhar? Podemos ver um filme já?

— Eu comecei há vinte minutos, Harvey. E passei dez conversando com alguém no telefone.

Fiquei seis dias afastada das minhas obrigações, e de alguma forma isso criou uma rotina com ele. Ele aponta a página aberta com as fotos que comprei dele.

— Eu nem fiz nada recentemente. Não tem nada novo aí.

— Ainda bem que o meu trabalho não é só comprar fotos. — respondo em um resmungo. — Fiquei seis dias sem trabalhar, tenho mais de duzentos e-mails para analisar, responder ou excluir, tenho que atualizar as suas redes, tenho que conferir com a lavanderia onde está o seu terno, procurar sapatos que combinem com o terno, conferir com a sua nutricionista o cardápio do mês para ter certeza que comprei as coisas certas, responder os patrocinadores, marcar sessões de fotos com três deles. Isso aqui é só o começo.

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