Capítulo oito - Nada é tão ruim que não se pode piorar

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Balançando a cabeça bruscamente numa tentativa de apagar suas lembranças, Zouely se inclinou sobre a parede refletiva e apoiou as mãos nela. O adolescente puxou uma respiração profunda e a soltou devagar, ignorando qualquer "reclamação" provinda do seu cérebro.

Vendo que a ação de nada servisse para acalmá-lo, ele repetiu o ato uma e outra vez e fechou os olhos deixando que todo o oxigênio limpasse sua cabeça. Antes que ele ficasse "alegrinho" o jovem abriu os olhos e, encarando suas próprias orbes verdes no espelho, expeliu todo o ar de seus pulmões.

Banho, ele pensou, tenho que tomar um banho e parar de pensar em coisas inúteis.

Porém, mesmo que seu cérebro dissesse que devia se mover ele não conseguia: seu corpo estava paralisado e ele viu com espanto uma lágrima escorregar por seu rosto até sumir em seu queixo. Zouely não entendia por quê chorava, ele não se sentia diferente: seu peito não doía e seus sentimentos estavam controlados, mas ainda assim lágrima após lagrima deslizavam em seu rosto ao ponto que ele podia vê-las pingando na pia. 

Pare de chorar, sua mente entoou, pare de chorar! O que está acontecendo? Você não é uma criança, deixe de agir como uma.

E as lágrimas continuavam a cair de seus olhos uma após a outra. O adolescente ergueu uma mão trêmula e levou-a até seus olhos limpado as gotas salgadas de sua face. Seus úmidos olhos verdes brilhavam pelas lagrimas, e Zouely não pode deixar de notar as estranhas manchas azuis minusculas que pareciam crescer a cada segundo em sua íris.

 Ele balançou a cabeça e, num movimento que parecia impossível antes, pressionou um botão deixando a água quente que caia sobre a sua cabeça lavar todo a dor, o choro e as lagrimas. 

Ele tentou ignorar a imagem subnutrida de seu corpo enquanto se lavava, mas tudo parecia demais para ele: as lembranças que invadiam a sua mente nos momentos mais inesperados, esse choro descontrolado e sem motivo, o fato de que se pisasse em casa novamente estaria morto, o álbum de fotos com uma mãe morta e que ainda assim deveria odiá-lo de onde estivesse e a carta que ainda não tinha lido... Tudo isso passava em sua mente e ele nem mesmo notou as novas lágrimas que desciam em sua face enquanto continuava seu banho.

Foi quase quinze minutos depois que o menino saiu limpo e vestido e muito mais calmo pela porta do banheiro, mas sua expressão logo mudou quando notou um dos adolescentes Pryato sentando em sua cama. Sua sobrancelha castanha se levantou em um gesto inquisitivo e ele parou onde estava, cruzando os braços e esperando por qualquer que fosse o motivo do garoto estar ali. 

Os olhos dourados do outro se fixaram nos seus e Zouely continuou quieto. O pryato sorriu, seus dentes brancos sendo exibidos em um sorriso gentil e caloroso. Era uma situação tão contrária da reação que havia recebido antes por parte de Elora que Zouely não pode deixar de se sentir quente, embora soubesse que nem sempre (bem, na maior parte das vezes se ele pensasse sobre isso corretamente) um rostinho bonito e um sorriso fofo não significasse algo bom.

— Oi? — A voz do garoto pryato chamou a sua atenção repentinamente e Zouely hesitou, pensando se responderia ou não. — Eu sou Sióg e... E meu tio pediu que eu te buscasse, você vai jantar conosco. — Ele esclareceu, parecendo confuso. Zouely achou que parecia fofo, mas impediu que sua mente suja o levasse por esse caminho e apenas acenou com a cabeça, continuando tão quieto quanto no início.

Sióg, o mestiço pensou surpreso, será que faz parte da tradição que Tiên falou mais cedo ou é apenas um nome pryato estranho?

O outro não pareceu incomodado pela falta de respostas do adolescente zombie e apenas se dirigiu para a saída do quarto onde passou pela porta e ficou esperando por Zouely no corredor. Sem nenhum motivo para demorar e tentando evitar problemas tanto para si quanto para o pai, o mestiço foi até o outro e, juntos, passaram pelos extensos corredores até que se prostrassem na frente de mais um par de portas que, assim como Parisa fizera horas antes, Sióg tratou de abrir como se estivessem estrelando um espetáculo.

Sobrevivendo á Sombras e Desilusões | #1Onde histórias criam vida. Descubra agora