O Retorno ao Vilarejo

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18 de outubro

A brisa cortante invadia o pequeno vão da janela, percorrendo o vagão e atingindo Melanie em cheio, fazendo-a estremecer. Recém-saída do banho quente, ela passou a toalha felpuda pela pele úmida e sensível, permitindo-se um breve momento de silêncio. Fechou os olhos e respirou fundo, como se pudesse lavar, junto com a água quente, tudo o que sentia.

Já não adiantava negar: estava começando a aceitar que não sairia dali tão cedo.

Dia após dia, encarando aquelas paredes, alimentando-se apenas do que era oferecido, isolada e sufocada naquele vagão, percebeu que lutar contra seu destino era inútil. Não havia como fugir. Ela teria que aprender a viver dentro do circo. Ou pelo menos, fingir.

Um arrepio percorreu sua espinha quando as batidas soaram na porta. Ela não se moveu, apenas apertou a toalha ao redor do corpo. O som da tranca se abriu, passos ecoaram pelo aposento, seguidos por um silêncio demorado. Melanie abriu os olhos devagar e encontrou Roseline parada à sua frente.

A espanhola carregava um sorriso tímido, quase incerto, e seus olhos varriam a silhueta da francesa, presos nela de maneira intensa. Melanie sentiu o peito apertar. Queria dizer algo, quis até mesmo um abraço de conforto, mas então se lembrou. Lembrou-se do que fez. Lembrou-se de que a traiu.

— Rose... — sua voz saiu como um sussurro fraco, e ela abraçou a toalha ao redor do próprio corpo, buscando conforto. Passou a língua nos lábios e abaixou o olhar, sentindo a vergonha queimar. — Pardon.

Roseline franziu a testa, confusa.

— Pelo quê, Melly?

— Por ter traído sua confiança. — Melanie inspirou fundo, reunindo coragem para encará-la. — Eu não queria fazer aquilo com você. Só conseguia pensar em Stacy. Não pensei no que aconteceria depois, em como isso te afetaria. E você foi tão boa comigo... e eu simplesmente ignorei isso.

A espanhola continuou em silêncio por um instante, apenas a observando com aqueles olhos escuros que pareciam ver além do que ela dizia. Então, deu um passo adiante e disse, com a mesma serenidade de sempre:

— Não há motivo para se desculpar agora, Melly. Já aconteceu. Não há nada que possamos fazer sobre isso. — Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso. — Mas você vai cumprir seu pacto, certo? Vai seguir as regras daqui em diante?

Havia algo na voz dela que confortava Melanie, tornando mais fácil falar a verdade.

— Sim. Já cansei de lutar contra algo inevitável. Estou viva, afinal. Preciso aceitar que esse é o meu mundo agora. — Suspirou e forçou um sorriso. — E você não tem ideia de como eu estou feliz por você estar aqui. Prefiro enfrentar qualquer coisa do que ficar sozinha nesse lugar. Isso soa errado?

— Não. — Roseline negou com a cabeça, os olhos brilhando com um carinho sincero. — Na verdade, essa é a decisão mais inteligente.

Sem aviso, a espanhola cruzou a distância entre elas e envolveu os braços ao redor do pescoço de Melanie, puxando-a para um abraço repentino. Foi desajeitado, mas aquecido pela familiaridade, como se Rose quisesse deixar claro que ainda estava ali, que não havia ido embora.

Elas passaram um tempo juntas, dividindo doces e conversando sobre trivialidades, como se o peso do circo não existisse por alguns minutos. Melanie percebeu que sentia falta disso. Sentia falta da leveza.

— Como conseguiu vir até aqui hoje? — perguntou, levando outro doce à boca.

— Ele me deixou vir. — Roseline deu de ombros, como se também achasse aquilo estranho. — E sem muita resistência, o que é mais curioso ainda.

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