É sempre assim. A porta se abre novamente e me encontro preso deste lado.
Alguém me observa. Não sou tão complexo, portanto, logo poderá me desvendar por completo. Vivo sempre a mesma vida. Só muda o meu observador.
No entanto, sou maleável. De conduzido, também conduzo. Quantas vezes eu não os vi rindo com o meu riso e chorando com as minhas dores?
É muito injusto isso. Daqui consigo vislumbrar apenas sombras de uma totalidade, jamais conhecerei por inteiro meu espectador.
Sinto-o fortemente e sei que há uma união inexplicável entre nós. Como se eu nascesse por causa dele, ou ele vivesse em mim.
Às vezes, ele se afasta abruptamente. Deixa-me por meses, dias, ou somente horas. Às vezes, devora-me por completo, não me largando um só minuto.
Será que ele sabe da minha angústia? Que tento enxergá-lo em vão?
Se estou vivo, ainda que limitado, porque jamais conheço o fim?
Penso na figura de um gênio da lâmpada, em sua condição de encarcerado, até que alguém o venha despertar. No que me diferencio dele? Realmente não sei.
Talvez, não tenha a capacidade de cumprir três desejos. Mas, ofereço alegria, dor, sentimentos e reflexões de todos os tipos; abro um leque de defeitos e qualidades. Sou inteiro e único. Diferentemente das outras sombras com quem meu observador convive, com rosto, com rosto nenhum.
Uns me odeiam porque se veem em mim. Outros me adoram. Gerações passam e minha imagem muda. Sou alvo de estudo e, se alguns me viram como escroque, outros me veem como grande manipulador.
É fascinante ver como as opiniões divergem sobre mim. Mais do que isso, é saber que, dependendo do prisma que recair em mim, as coisas à minha volta mudam como num passe de mágica: comentários tolos podem ser fina ironia; descrição de acontecimentos, crítica voraz.
O pior de tudo, porém, é que quando acham que me leram por completo. Logo, me deixam trancafiar novamente, para ser eterno em meio à poeira.
Até que outras mãos, conhecidas ou não, abram-me a porta, pensando que me farão vivo, quando, na verdade, viverão através de mim.
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Fugaz
Short StoryO que é o conto, além de um retrato fugaz da realidade? Um momento apenas, congelado no tempo que corre. Reúno aqui alguns contos, uns breves, outros nem tanto, que já fizeram parte de outras coletâneas. Um modo de passar o tempo e pelo tempo, faze...