Tritão, o rei dos mares, mandou um mensageiro chamar as duas jovens, interrompendo uma de suas batalhas, e elas prontamente se apresentaram diante dele.
Palas, sua filha, entrou primeiro. A jovem esguia a alta entrou ofegante por conta do exercício praticado, e quando tirou o elmo prateado que usava, seus cabelos claros como o sol estavam suados e molhados como se, no meio da batalha, tivesse entrado no lago. Segurando o elmo, caminhou até o trono de seu pai, metade homem, metade peixe, beijou-lhe a mão e sentou-se ao pé dele, do mesmo modo que fazia desde criança. Tritão sorriu perante o gesto e começou a afagar o cabelo de sua filha que, diante de acolhida tão carinhosa, praticamente sorriu com seus belos olhos verdes.
Atena, a quem o rei considerava uma filha, por ter passado tempo o suficiente com ela nos últimos anos, instruindo-a, juntou-se a eles, caminhando altiva até o trono, como se lhe fosse impossível andar de outro jeito. Ao contrário da amiga, seus olhos eram de um tom amendoado. Retirou o elmo revelando embaixo deles os cabelos, devidamente presos e intactos, da cor de cobre. Seu cumprimento foi mais comedido, mas não menos respeitoso.
- Quero que me ouçam – Tritão pediu – eu terei que me ausentar e gostaria que mantivessem as coisas em ordem e, pelo menos durante a minha ausência, queria pedir que as duas cessassem os treinos com espadas.
- Mas, pai! – Palas protestou e segurou a mão dele, impedindo-o de continuar o carinho – Sabe que esta é a parte que eu e Atena mais gostamos; ficarmos sem ela é como sermos privada do ar.
- Não seja exagerada, menina – Tritão sorriu – Ficarei fora somente alguns dias. Podem esperar, não podem? – e, embora tivesse perguntado para as duas, virou-se para Atena.
Atena respirou pausadamente, as práticas militares eram o que mais lhe agradava, ou seja, Palas não havia mentido; porém, devia respeito ao seu tutor. Considerava seus pedidos como ordens. E, além do mais, era senhora de suas vontades, podendo esperar por sua volta.
- Sim, senhor, nós podemos esperar – Atena respondeu pelas duas e foi a vez de encarar a amiga, que ergueu os olhos na direção dela sentindo-se traída. Eram como irmãs, logo Palas esperava que batesse o pé e fizesse coro para o pai mudar de ideia. Unidas eram mais fortes, mas separadas, seriam facilmente derrotadas. Era essa justamente a lição que haviam aprendido e que Atena acabara de ignorar.
Mais tarde, naquela mesma noite, o deus marinho deixou-as. Sairia do Mar Egeu, passaria pelo Mar de Creta, até chegar ao mar jônico, onde, como mensageiro de seu pai, o deus Poseidon, apascentaria as águas que estavam revoltas, garantindo que a carruagem de seu pai deslizasse por elas em segurança.
Nos dois dias seguintes Atena e Palas seguiram as ordens, afastando-se de toda e qualquer disputa com espadas. Mas, a seu modo, conseguiam outras formas de competir, que não tivesse a ver com uma lâmina afiada.
No terceiro dia, entretanto, Palas acordou entediada. Não havia disputa que lhe satisfizesse. Poderia ganhar de Atena em qualquer coisa, mas enquanto não a derrotasse no campo de batalha, não se sentiria vencedora. E isso não tinha a ver com o fato de ela ser filha de Zeus, talvez a preferida entre os demais. Tinha a ver com o fato de que sabia que poderia derrotá-la, ainda que reconhecesse nela uma oponente destemida, altamente técnica e arrojada.
- E se quebrássemos a promessa? – Palas questionou, enquanto comiam, fazendo com que Atena parasse de mastigar.
- Seria faltar com a palavra com o seu pai – fez questão de lembrar.
- Ele não saberia, Atena! Oras, deixe de ser tão certinha, pelo menos uma vez!
- A questão é que eu saberei e dei minha palavra. Se a sua não tem valor, as minhas têm – Atena disse mal humorada.
![](https://img.wattpad.com/cover/35946303-288-k798192.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fugaz
Short StoryO que é o conto, além de um retrato fugaz da realidade? Um momento apenas, congelado no tempo que corre. Reúno aqui alguns contos, uns breves, outros nem tanto, que já fizeram parte de outras coletâneas. Um modo de passar o tempo e pelo tempo, faze...