Caminhava rua abaixo
Já surgida a alvorada,
Quando escuta alguns passos
Do outro lado da calçada
Vira-se com espanto
Quer ver quem o acompanhava
Descobre, então, um anjo
Que quebrara suas asas
Não esboça reação,
Medo, dúvida, nem nada
Quando o anjo vem em sua direção
Dirige-lhe a palavra:
- Estarei eu sem sorte? És tu o anjo da morte?
- Não – começa a falar – Não vim te buscar
- Então, o que há? Procura por acaso por alguém?
- Temo que sim. Procuro por mim.
- Não compreendo o que sente, como és anjo, é diferente.
- Mas, antes de anjo, também fui gente.
- E, por que procurar a essa hora, numa rua vazia?
- Para que possa guiar a sua vida pela minha.
- É tua visita algum tipo de aviso?
- Já te direi o que pretendo com isso.
- Espera que eu, com sono, desvende tua intenção?
- Só quero que me escute e tire sua conclusão!
De braços cruzados, permite-lhe o discurso
Detém seus passos, queda em silêncio, doa seu tempo.
"Fui de carne e osso, como disse anteriormente
Vivi sem ter consciência
Bebi, fui displicente, fui amargo
Errei toda a minha existência
Fui miserável, tive mulheres incríveis
Tive manhãs horrorosas
Sem saber com quem estive
Fui negligente, arrogante, ditador
Troquei minha vida por um punhado de moedas
Fui o mais fraco dos homens
Com a minha ignorância e falta de crença
Eis que, certo dia, no meu luxuoso apartamento
Sem motivo aparente, ou qualquer razão
Invadiu-me um arrependimento
Engoliu-me a depressão
Olhei-me por dentro
Desprezei os meus feitos
Tive nojo do que vi
Aninhei-me na janela – um abrigo –
Alcei voo dali
Assisti minha vida durante a queda
Separei-me do meu corpo
Encontrei a minha essência,
Porém, já estava morto
Daí pra frente, minhas lembranças não são claras
Nem tenho certeza do que digo
Só sei que não podiam me olhar na cara
Como forma de castigo
Asas ganhei, perdi o meu rosto
Voltar à terra, proteger a vida
Agora como anjo torto"
Interrompe diálogo tão comprido
Preocupado em ir se embora
- É triste, eu confesso,
Mas o que tenho a ver com essa história?
Sinceramente, não penso em me matar
Para receber sua visita
Talvez esteja deixando escapar
A pessoa certa de sua lista
O anjo olha-o de lado:
-Quisera eu estar enganado,
Mas é contigo mesmo a minha conversa.
- Pois, então, diga logo, tenho pressa.
"É realmente esta tua pressa que é tua ruína
Ela quem vim combater.
Tem a chance de evitar tua sina,
Mudando o seu proceder.
Ou será destinado, como eu, ao mesmo rumo:
Como castigo, virar um anjo noturno.
- Sem enigmas, o que devo fazer?
Espero que diga de maneira simples, para eu entender
- Seja atento, seja simples, espere um pouco
De sua paciência, depende a história de outro
Estenda a sua mão, quando lhe for pedida
E prometo que você, para mim, será pessoa esquecida
Só te peço, que seja sensível, e impeça o que está por vir
- Se é só isso, eu te prometo, pode ir.
O anjo aceita a palavra
E, de repente, sozinho de novo está o homem
Ele retoma seu caminho, vira a esquina e some
Duas semanas depois
No centro da cidade
Uma criança suja lhe estende a mão
Remexe em seu bolso, cheio de moedas
Tem uma boa intenção
Mas, justo nesse momento,
Algo lhe chama a atenção:
Uma mulher bonita e bem vestida
Deixa cair uma porção de pacotes
Olha-o de longe em uma súplica muda
Implorando, sem falar, pela sua ajuda
A moeda volta ao bolso
O rosto vira para o lado
A escolha está feita
Ao invés de ser caridoso
Se rende à mulher que estabanada se abaixa
Deixa de lado a criança
Para ocupar-se com as caixas
O anjo, que de longe observa,
Queda silencioso, derrotado.
Por meio daquelas mãos que pediam esperança
O casal que ali fora apresentado
Será, dali a alguns uns anos,
em uma manhã fria de domingo,
Brutalmente assassinado.
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Fugaz
Short StoryO que é o conto, além de um retrato fugaz da realidade? Um momento apenas, congelado no tempo que corre. Reúno aqui alguns contos, uns breves, outros nem tanto, que já fizeram parte de outras coletâneas. Um modo de passar o tempo e pelo tempo, faze...