Helena suspirou aliviada ao entrar no carro. Nunca imaginou que atravessaria um mar de gente, muito menos que todas aquelas pessoas estivessem ali para vê-la, falar com ela e até tocá-la. Olhou para a blusa de seda, por pouco não fora rasgada, quando uma adolescente agarrou-a na altura dos ombros e a puxou, fazendo-a estremecer.
- Prometa que este não será o último! – a garota suplicou e Helena não teve tempo de responder, sendo retirada imediatamente por seguranças.
Pensando bem, a chegada do brutamonte foi providencial, pois talvez não quisesse fazê-lo, pois desconhecia a resposta. No entanto, achou interessante a coincidência, pois Uma resposta à Sofia, estava há seis semanas no topo da lista dos mais vendidos. A história havia conquistado o editor e, logo que fora lançada, caíra no gosto dos adolescentes, tornando-se uma febre em todo o país e já começava a alcançar as fronteiras, entrando em Portugal.
- Você é um sucesso, Helena! – Laís, sua agente e amiga havia a abraçado diante da boa-nova – Comemoremos! – e juntas abriram uma garrafa de champanhe comprada especialmente para aquela ocasião.
Daquele dia, até o tumulto no shopping, havia se passado um ano. Um ano em que sua vida havia mudado radicalmente e isso não se resumia à sua conta bancária. Não podia dizer que não gostasse da dedicação dos fãs, afinal sonhara com isso, mas o jeito como alguns deles abordavam-na, beirava o fanatismo e tinha medo de pessoas fanáticas.
Sim, queria ser lida e, muitas vezes, imaginara o sucesso que havia conseguido, só não contava receber com ele um pacote recheado de coisas boas e coisas ruins. Mesmo assim, ainda não entendia a frase "Cuidado com o que desejas". Mas, isso, logo iria mudar.
Quanto mais o carro se afastava do shopping, mais Helena pensava no episódio da manhã anterior. Tinha certeza de que fora aquilo que, somado à abordagem da garota, a fizera estremecer.
Após um bom tempo em outras cidades para sessões de autógrafo, era bom estar de volta. Sim, a cidade continuava cinzenta, as pessoas, apressadas; não havia praia e todos os estabelecimentos eram cheios, mas ainda assim amava este lugar. Portanto, permitiu-se andar pelo bairro de Higienópolis, sem se preocupar se algum fã de seu livro a abordasse.
Passou pela padaria preferida, onde fez o mesmo pedido de sempre: um croissant, um sonho e um frappuccino. Malhava bastante, logo podia se permitir tais gulodices. Tomou seu café da manhã e matou a saudade de sua rotina, antes do sucesso.
Aconteceu quando estava voltando para casa, exatamente a uma esquina do seu prédio. Não viu a mulher antes – aliás, esse era o outro fato que a deixara assustada –, só sentiu o toque em seu ombro que a fez se virar. Virou-se, imaginando que se depararia com uma adolescente ou um grupo deles, e seu rosto pintou-se com as cores da surpresa ao perceber que se tratava de uma senhora vestida com trajes muito simplórios. A mulher tinha os cabelos brancos desgrenhados e, ao abrir a boca, era nítida a falta de muitos dentes. Antes que Helena tivesse qualquer reação, encarou-a e disse:
- Moça, repara o mal que causastes ou te arrependerás.
Helena sentiu-se tremer da cabeça aos pés e do mesmo jeito que a mulher apareceu, ela deu-lhe as costas e sumiu.
Quando chegou à portaria do prédio estava tensa. Tentou disfarçar a tensão, tentando entabular uma conversa com o porteiro, o senhor José, que sempre a tratava como se morasse ali há anos, o que não era verdade, já que nos tempos das vacas magras, morava bem longe do centro da cidade.
- Senhorita Villas-Boas – o porteiro a cumprimentou – Aproveitou a caminhada?
- Sim, sim – ela disse rapidamente – É bom voltar para casa – tentou esboçar um sorriso.

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Fugaz
NouvellesO que é o conto, além de um retrato fugaz da realidade? Um momento apenas, congelado no tempo que corre. Reúno aqui alguns contos, uns breves, outros nem tanto, que já fizeram parte de outras coletâneas. Um modo de passar o tempo e pelo tempo, faze...