Capitulo 2

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Pov Alice

Hoje teria sido apenas mais um dia normal se não fosse pela Marina.

Naquela manhã no segundo que acordei uma dor aguda e latejante parecia preencher meus pés, eram meus calos que desde ontem a noite pareciam doer mais que o normal. Tomei um banho gelado a fim de aliviar a quentura que meus pés se tornaram e já um pouco melhor desci as escadas para tomar café, o eco dos meus passos era o único barulho que se ouvia naquela casa branca e preta, casa gelada, solitária, meus pais já tinham saído e levado minha irmã junto, mas eu não me importava mais. O silencio fez pela primeira vez naquele dia a lembrança das palavras e do desprezo daquela menina de ontem surgiram em meu cérebro, cerrei os dentes, como alguém como ela ousa me tratar daquele jeito? Ela não sabe o que eu posso fazer com ela um maço de dinheiro e uma ligação? Claro... estávamos em um ônibus, o território dela, o território dos pobres. Meu pé ainda latejava, aquilo era psicológico, não estava doendo mais, suas palavras sobre meus calos apenas faziam parecer que sim. Não pense, não sinta. Esqueça.

Sim, já foi meu tempo de se importar com as opiniões dos outros, principalmente de pessoas da laia dela. Mas estaria mentindo se dissesse que não fiquei estupefata quando esbarrei com ela no corredor, e pra piorar meus pés pareciam ainda pior, mas não tive muito tempo para alimentar meu ódio, em um piscar de olhos ela já estava sumindo pela multidão, e senti esbarrarem em mim múltiplas enquanto eu tentava absorver o choque. As pessoas aqui são ruins, são pessoas como eu, aqui era o meu território, e ela seria comida viva... sorri adiantada pela vitória, e logo pus a cachola para funcionar. Eu não sou idiota, ela era pobre, talvez mais do que parecia, mas deve ser muito inteligente para ter entrado nessa escola, bolsista... ela com certeza era uma bolsista. Para uma nota tão baixa, os números rabiscados eram muito grandes, pintados em vermelhos pareciam rir da minha cara em conjunto em uma pasta escondida na minha bolsa.

No intervalo me dirigi ao lugar de sempre. Era uma lógica simples, pelo o que eu conheço as pessoas daqui não falariam com ela, e pelo o que me pareceu ontem, ela parece odiar gente como nós, se eu estiver certa não haveria contato entre nenhum dos dois e com sorte ela viria comer nesse lugar isolado, lugar que é meu, mas hoje eu o dividiria com ela por uma boa causa, a minha causa.

{...}


- O que você está fazendo aqui? – Marina finalmente me perguntou em um tom agressivo, depois de ter se sentado no outro extremo do banco e me fitado em transe por um minuto, mordi os lábios a fim de segurar o riso, ela era tão boba.

- Estudando, coisa que eu faço nessa escola desde os 15 anos. A verdadeira pergunta é o que você está fazendo aqui.

 - Não se faça de idiota. Você deve ter muito dinheiro, é bonita e parece ser detestável, não deveria estar rodeada de lacaios que te bajulam o tempo todo? Você não me parece ser o tipo lobo solitário.

- É e esse parece ser exatamente o seu tipo. Serio como você veio parar aqui? Você é pobre, eu sei disso.

- Sou pobre, mas eu sou inteligente. Ao contrário de você.

Fingi estar ofendida, eu sei que não sou muito inteligente na escola, mas eu sou muito experta fora dela, a escola não é o mundo e o mundo é dos expertos. Mas ela não sabia disso e eu precisava que continuasse assim.

- Bolsista... você deve ser muito inteligente mesmo – Abri minha bolsa e a vasculhei a procura da minha pasta cheia de provas, escondidas tão bem como se fossem pistas de um crime e as joguei para ela, que as pegou relutante e as analisou espantada pelos erros que tomavam conta de praticamente todas as provas – Você tem razão eu sou burra, simplesmente não consigo aprender, ou simplesmente não quero, mas isso não importa, pois eu tenho a solução!

- A solução...?

- E se nós fechamos um acordo? Pense bem.... Você tem algo que eu quero e talvez eu tenha algo que você precise. Você tem a inteligência para me ensinar e me ajudar as conseguir boas notas, e eu tenho dinheiro, contatos e carisma, eu posso conseguir para você o que você quiser.

- Eu não quero seu dinheiro sujo! Eu só estaria alimentando e impulsionando essa sua ideia, ideia do seu povo que tudo é resolvido por um maço de dinheiro, que todos se venderiam e se humilhariam por dinheiro, não vou tirar a oportunidade de alguém que realmente batalhou por isso. Eu sou melhor que isso.

Sua raiva apenas a deixava mais transparente, mas não pude deixar de me espantar pela convicção das suas palavras, talvez ela não fosse tão boba quanto eu pensava, errei em pensar que ela se venderia fácil e o fogo nos seus olhos já me dizia tudo.

- Oportunidade... esforço de outra pessoa... você quer um emprego, não é? – Seus olhos se arregalaram por um instante e ela me analisou com os olhos semicerrados, como se tentasse me decifrar.

- Você não é burra, não é?

- Em muitas coisas, não. Mas eu realmente preciso de ajuda.

Nenhuma resposta, eu não ia a convencer tão fácil. Eu precisava de algo que não burlasse sua ética idiota, e ainda a ajudasse.

 - A empresa do meu pai é bem grande, e vai abrir vagas para aprendizes de meio período em breve, eu posso te encaixar lá, mas já que você não quer meu dinheiro e nem meus contatos, a entrevista é com você e todo o resto também, eu não vou mexer nos resultados e não vai ter nenhum dinheiro envolvido. Apenas vou pedir um favor pro meu pai e fazer uma pesquisa dentre todos os candidatos em quem precisa menos. Isso está bom pra você? Vamos... não é nada demais.

Sua expressão continuava rígida, mas pelo seu silencio preferi imaginar que pensava seriamente sobre isso.

- Sem dinheiro?

- Sem dinheiro.

- Então tá. Mas se eu descobrir algo anormal eu juro te ensinar tudo errado.

Sorri vitoriosa, mas a sua ainda continha um certo desprezo. Aquilo seria divertido

- Trato feito? – Estendi minha mão.

- Trato feito – Ela a apertou com destreza.

Quando as Cigarras ChoramOnde histórias criam vida. Descubra agora