Capitulo 20

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Pov Alice

A enfermeira de pele escura e olhos gentis me lembrou de uma babá que tive quando criança. Fiquei espantada, se eu não tivesse recebido a notícia de morte dela a uns anos atrás eu poderia pensar que essa enfermeira fosse ela. Uma saudade repentina com o sentimento de um reencontro emocionante, porem falso, fazia meu coração apertar enquanto eu só conseguia admirar ela e conversar, meio embriagada, um papo furado com a imagem de uma conhecida morta.

Então quando ela disse pro Julian que ele tinha sorte de ter uma namorada tão gentil pra eu cuidar bem dele, senti como se aquela babá de colo macio e abraços quentes estivesse aprovando Julian.

Essa alegria que deveria ser concebida pelos pais, pra mim foi concebida por uma estranha que me lembrou alguém do passado. Quando aquela babá foi embora pra criar seu próprios filhos, me deixando sozinha naquela casa solitária, eu fiz um escândalo na frente de casa, implorando e implorando pra ela me levar.

Até hoje me lembro do som dos meus gritos e do meu choro incessante quando percebi que ela se foi, depois de me abraçar longamente e me encher de beijos ela mandou eu contar até cem e se escondeu naquela brincadeira de esconde- esconde que nunca terminou. Os vizinhos saíram de suas tocas horrorizados pelo som da criança que chorava ajoelhada no gramado de casa pela babá que nunca voltaria, o que resultou a visitas mensais do conselho tutelar em casa e uma péssima fama dos meus pais no bairro, e provavelmente, talvez o motivo de meus terem contratado Emily pra ser minha amiga.

Apesar de tudo, isso pra mim não era triste, era história. Só.

Nunca senti remorso ou magoa dela. Quando ela foi embora deixou um buraco no meu coração que mesmo que aos poucos foi se curando, apenas hoje eu pensei, será que as pessoas que perdem os pais sentiam desse jeito? Provavelmente muito pior, tão pior que eu não poderia imaginar, tão pior que nunca se curaria, mas ainda assim, por pior que parecesse, algo se passou na minha cabeça por um segundo.

Não queria pensar mas pensei. Era errado. Mas eu sabia que não me sentiria assim quando meus pais morressem.

Caminhávamos de mãos dadas, em silencio em direção ao terraço. As vezes eu acariciava sua mão e olhava para o seu rosto, ele não me olhava de volta, ainda segurava aquela compressa de gelo em sua testa, olhando sempre pra frente, impassível, exausto.

Chegando no terraço nos sentamos em um dos bancos, eu apoiei sua cabeça em meu ombro e passei meu braço em volta do seu pescoço, segurando a compressa em sua testa, ele enfiou suas mãos no bolso do meu casaco e afundou seu rosto em meu pescoço, senti-o o respirar fundo em minha pele.

Se passaram minutos em um silencio gritante, não me aguentei e finalmente disse algo.

- O que você tem?

Silencio, assim ficou por um minuto, e quando resolveu se afastar e me olhar nos olhos, seus olhos nebulosos, olhos nebulosos e escuros que me deram arrepios, mesmo que seja apenas as gotas geladas do gelo derretido descendo pelo meu braço.

- Você não deixa passar nada, não é?

- Você nem ao menos tentou disfarçar.

Ele abaixou os olhos, procurando pela minha mão, e quando finalmente a achou a apertou forte e seus olhos como a mais pura matéria escura e nebulosa do universo me adentaram, tentei a todo custo não desviar o olhar, pois mesmo sem saber o porquê a cada segundo que eu olhava em seus olhos, aqueles olhos, um nó se formava na minha garganta. Mais do que sempre, tinha alguma coisa errada.

- Eu nunca te contei o porquê de eu ter mudado pra cá, e rezei pra que esse dia não chegasse, pois não sei se estou pronto pra falar sobre mas... por você. Por você eu falo.

Quando as Cigarras ChoramOnde histórias criam vida. Descubra agora