Capitulo 4

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Pov Alice

Era sábado e eu só pensava em dormir o dia todo, me perder em sonhos bons depois de uma semana horrível, mas meu sono foi interrompido com pulos de pés pequenos e sujos por toda a minha cama, sem ao menos se incomodar em desviar seus pulos das minhas pernas. Depois de ter conhecido Marina e brigado com ela no mesmo dia, minha semana virou uma verdadeira merda e eu sabia que tinha virado o próprio cão apenas pelos olhares julgadores até dos empregados de casa, que achavam que eu não sabia que eles cochichavam sobre mim e me olhavam como se eu fosse uma bruxa quando achavam que eu não estava vendo, os mais novos assustados com minha atitude naquele dia, mas não eram tão diferentes de mim, que depois de muito tempo me questionei e temi a pessoa que eu mesma tinha me tornado em meio aqueles gritos.

Resolvi ignorar Alicia, minha irmã e erro do tempo, pois era exatamente igual a mim quando mais nova, seu nome era sugestivo, meus pais a tinham feito porque a primeira não tinha dado certo, eu tinha certeza disso. Desci as escadas e me dirigi a cozinha como um zumbi, enquanto Alicia fez todo o seu caminho saltitante, o que ela tinha hoje?

- Você vai me levar para o parquinho hoje, não é? Você me disse que ia...

- Não, e eu nunca disse isso.

- Ah mas você vai sim senhorita Alice! Ficou a semana toda trancada em seu quarto, vá passear com sua irmã e tomar um ar fresco, pegar um sol...

Não fazia nem 10 minutos e eu já estava me arrepedendo de ter acordado hoje. A voz suave da minha mãe falhava ao tentar parecer autoritária, isso a deixava ridícula, e dificultava a minha (não) tentativa de respondê-la direito. Levantei meu olhar, ela estava na parte de trás do balcão e parecia mesmo que tinha cozinhado alguma coisa, mas não tinha, minha mãe não cozinha.

- Estamos no inverno.

- .... Não responda sua mãe assim! Eu só estou preocupada com você.

- Não me faça rir essa hora da manhã, não nos falamos o suficiente para eu te responder e por favor não finja que se importa, sua atuação é horrível, eu puxei a minha do meu pai, não de você.

- Mas eu me importo!

Ela protestou bruscamente, ela não percebia que suas ações contrariaram sempre as suas palavras?

- Continue repetindo isso, talvez se torne realidade. Se quer compensar por tudo o que fez, ou melhor, o que não fez, tente realmente fazer as panquecas da próxima vez... eu estou vendo muito bem esse pacote de massa pronta.

Alicia só precisou insistir uma vez para que parássemos, ela odeia quando a gente briga, eu também. agarrei uma fruta e comecei a andar em direção as escadas, consegui ouvir o barulho do pacote sendo amassado brutalmente e jogado no lixo.

Dei a volta e comecei a andar de volta para o meu quarto, dei poucos passos e parei, tinha mais algo pra dizer, afinal, eu não era a unica que saia machucada nessa família.

- Se quer se desculpar por dias de ausência não faça, você estava trabalhando, mas se quiser se desculpe a Alicia ela foi a única que sentiu sua falta, agora... se quer se desculpar a mim o prazo pra isso se esgotou a tempos.

Não fiquei pra ver sua reação.

Subi para o meu quarto para trocar de roupa.

Quando voltei ela não estava mais lá. Separei os pacotes de massa pronta de panqueca para Marina, caso um dia a visse de novo. Mamãe nunca mais  os usaria de novo.
                                                               

{...}


O Sol mal tinha efeito mesmo em um céu tão limpo naquele inverno, mas eu já estava na fila do pula-pula com Alicia a quase meia hora e ele já começava a esquentar meu couro cabeludo. Olhei em volta, era aniversário da cidade e o lugar estava cheio, crianças e adultos e adolescentes provavelmente aqui contra sua vontade para levar as crianças para se divertir, brinquedos mais novos e divertidos, barracas de guloseimas e muita música de crianças, eu aproveitava tudo aquilo como uma mera espectadora da infância que eu não tive, e dessa infância eu decidi dar a minha irmã quando olhei seu rosto de joelho de recém-nascido chegado do hospital quando era apenas uma criança, como único ato de bondade da minha vida.

Eu estava prestes a deixa-la sozinha na fila e me comprar algo pra comer, varrendo os olhos por uma comida que me interessasse naquele mar de gente, onde apenas um se destacava na multidão, uma cabeça ruiva com ondas como o mar se deslocava apressadamente pela multidão, segui os com os olhos aquela cabeleira tão familiar e bonita, e apenas quando seu rosto foi revelado e lembrança nada distante veio como um baque e um sorriso de orelha a orelha se formou em meu rosto. Sai da fila e desviei de todas as pessoas sem se importar com os pés que senti pisar, pensei nela a semana toda e ainda demorei a reconhecer, meu ódio por ela continuava e eu ainda sorri, mas isso não importava e eu sabia que minha ambição era maior que eu mesma.

Apertei seu braço e a arrastei a um canto isolado antes mesmo que ela pudesse gritar.

- Qual é o seu problema?! Você é ... Alice? – Sua expressão logo se amoleceu e ela deu um passo para trás.

- Você me deve desculpas.

-...

- Tem alguma ideia do que me falou? Seu discurso moralista não vale a merda que caga, você é quase a pessoa mais hipócrita que eu conheço, tente pratica-lo com a pessoa que está mais próxima de você do que um desconhecido que você inventou se quer fazer ele valer a pena.

- Eu... eu achei que você ia me matar.

-  ... O que? Você deve ser idiota, foi isso que eu te perguntei? Não é tão inteligente quanto diz, não percebeu que era um assunto sensível? Você convive com pessoas?

- Olha só quem fala! Não sou a única que tenho que me desculpar, não se grita com alguém daquele jeito e o expulsa a pontapés. Você parecia louca e eu achei que fosse me matar... eu... eu só queria perguntar e talvez te ajudar, eu não imaginei que você reagiria assim. Você convive com pessoas Alice?

- .... Você tem medo de mim? Tem dó de mim? Acha mesmo que eu faria aquilo?

- .... Não sinto nada por você.

Guardamos um longo silencio para nós duas, imaginei que talvez pudesse atuar e usar seja lá o medo ou a empatia que ela sentisse por mim para o meu favor, mas ela era mais sincera do que imaginei e me questionava mais do que deveria, e naquele silencio pensante apenas entre nós duas, o barulho da multidão sumiu para mim e eu me olhei em seus olhos, o que eu era? Eu era um monstro?

- Mas eu ia. Ia te jogar daquela escada e você não me poderia me dizer mais uma palavra imprudente.

- ... imaginei.

Outro silencio e dessa vez era olho por olho, quem engoliria o orgulho primeiro? Não interessava no final, toda aquela conversa, Alice sempre tinha uma manga na carta, ela não sabia, mas daqui eu via uma criança ruiva e doente que pulava alegremente no pula-pula, talvez minha boca seja mágica. 

- Talvez...!

Mordi os lábios, não podia sorrir, mas eu já tinha ganho.

- Talvez nós duas erramos, dizemos coisas que não devíamos, mas querendo ou não, precisamos uma da outra e quando tudo der certo vamos cada um para o seu lado e não vamos precisar ouvir palavras... imprudentes.

Marina finalmente disse. Me segurei pra não sorrir, minhas palavras tinham saído da boca dela, mas nesse caso isso era muito bom.

- Um discurso clichê desse só poderia ter saído de você - Retruquei.

- Clichê assim... eu só espero que não nos tornemos melhores amigas.

- Vira essa boca pra lá.

Quando as Cigarras ChoramOnde histórias criam vida. Descubra agora