1 - Apocalipse (POV LUCY)

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Aquele dia nunca será esquecido. Só me lembro de estar de boa na lagoa multando um carro que estava estacionado no meio da rua e logo escutar um barulho forte de explosão vindo de um lugar perto de onde estava. Dezenas de pessoas corriam no meio das ruas atropelando umas as outras, crianças choravam sem parar, diversas pessoas caíam no chão aos tropeços e vários carros chocavam entre si de forma descontrolada, causando diversas explosões e acidentes. Aquela era a verdadeira cena do inferno, ou melhor, do fim do mundo. 

Corri o mais rápido que pude, não sei para onde, mas corri. Aquilo foi de repente e ninguém esperava que algo tão chocante acontecesse. Todos fugiam do caos sem direção, até eu, inclusive, que há poucos minutos estava no meio do expediente em uma cidade que mal conhecia. De todos os meus pertences, apenas o celular e o revólver me restaram.

Enquanto fugia do meu pior pesadelo, presenciava diversas pessoas morrendo diante dos meus olhos. Atropelamentos, suicídios e acidentes brutais. Era horrível, horrível mesmo. Era como se eu estivesse assistindo a um episódio de The Walking Dead, só que ao vivo, sem as câmeras por perto e, claro, sem os zumbis. Os "zumbis" no caso eram os suicidas, que até pareciam obcecados pela morte.

À minha frente, pude ver uma mulher grávida caída no chão. Outra mulher tentou ajudá-la, mas algo assustador no lugar da ajuda aconteceu: A mulher que iria ajudar a gestante, ficou com uma expressão esquisita e se matou ao entrar em um veículo em chamas, que explodiu com ela dentro. Depois daquilo, eu e cerca de 7 pessoas nos abrigamos na casa de Greg, um asiático gentil que nos deixou entrar, ao contrário do velhote relutante que estava com ele.

Na televisão da casa, reportagens de última hora não paravam de aparecer, alertando sobre o apocalipse e o caos que dominava o mundo inteiro. Enquanto o visor mostrava pessoas correndo desesperadas ― uma cena muito semelhante a qual passei momentos antes ―, o repórter nos alertava de não sairmos de casa de forma alguma. Contudo, no momento mais propício onde parecia que o repórter iria dizer algo importante, a televisão perdeu o sinal. Tentamos arrumar, só que o problema estava relacionado aos satélites ou algo mais complexo.

Todos os nossos celulares caíam na caixa postal ou ficavam fora de área, a sorte foi que conseguimos ficar naquela casa durante um tempo e sobreviver da misteriosa criatura lá fora, ou seja lá o que for.

Nesse meio tempo conheci os demais sobreviventes: Malorie, a grávida que avistei na rua anteriormente; Charlie, que entendia de apocalipses e escrevia um livro; Douglas, o velho rabugento que perdeu a esposa; Olympia, outra grávida que apareceu depois; Cheryl, a vovó que só estava lá de enfeite; Tom, um saradão que estava de olho em Malorie; e Felix, um cara completamente idiota.

Além dessas pessoas, havia também um casal que não ficou na casa por muito tempo e teve a coragem de ir atrás dos seus filhos, pelo menos acho que foi isso que aconteceu.

Eu, sinceramente, depois do que vi lá fora só tinha dois objetivos em mente: 1) sobreviver, e 2) entender o que de fato estava acontecendo.

Todos nós conversamos e chegamos à conclusão de que havia algum tipo de presença lá fora, então fechamos todas as janelas. Nós não podíamos ver aquilo de jeito nenhum, porque se víssemos, acabaríamos cometendo suicídio. Mas afinal, o que era "aquilo"?.

Charlie era a pessoa mais lunática da casa, dizia sobre forças sobrenaturais e tudo relacionado ao mundo da lua. No início até estávamos acreditando em suas palavras, mas ao revelar que estudou tudo aquilo na internet ― e não em uma faculdade ―, percebemos que ele só estava louco por causa de tudo que estava acontecendo.

Sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, todos nós, assim como Charlie, ficaríamos loucos dentro daquela casa, sem notícias externas e recursos suficientes para continuar sobrevivendo.

O mais irritado dali era o Douglas, que fuzilava a gestante Malorie. Pelo o que eu ouvi, sua esposa, Lydia, morreu ao tentar salvá-la, e aparentemente ele não gostou muito da ideia de dividir a mesma casa que ela. Foi nesse momento que liguei os pontos e percebi que a mulher que avistei se matando mais cedo no carro em chamas, era essa tal de Lydia. No entanto, depois do evento da espingarda, Malorie foi vista como uma pessoa bastante experiente e forte apesar de sua gestação. Então, Douglas não tinha muito do que reclamar a não ser dos alimentos que estavam acabando mais rápido pelo fato de haver agora duas mulheres grávidas na casa.

Em alguns momentos conversei com um ou outro para enxergar o ponto de vista de cada pessoa durante o tempo em que esteve lá fora. Não consegui muitas respostas úteis, pois eram sempre as mesmas: "Eu sentia uma aura, uma presença. A face de fulano estava diferente, como se estivesse sendo hipnotizado, depois se matou". Era somente esse argumento que todos tinham.

Quando me apresentei aos demais como policial, Felix estava prestes a fumar um baseado, bem na minha frente como se não fosse nada. O deti ali mesmo e me recordo de ele dizer: "Você não é policial, ainda tá na academia". Como esse cara se atreve a insultar uma autoridade? Não quer dizer que o fim do mundo tá acontecendo que qualquer um vai me desrespeitar assim, tão facilmente!

Depois da sua fala o ignorei, mantendo a calma antes que sacasse a minha arma e enfiasse uma bala na testa daquele cara, mas o pior não foi isso. Mais tarde eu estava na cozinha me alongando. Assim como os outros, eu estava exausta e confusa, sem saber até quando aquilo ia continuar ou se sairia viva. Na verdade, quase ninguém demonstrava, mas era óbvio que todos ali poderiam surtar a qualquer momento.

Ter medo de algo que você já tem conhecimento nem chega perto do medo do desconhecido, que a qualquer hora pode te matar ou te forçar a se matar da forma mais doentia possível.

Meus pensamentos estavam um turbilhão, eu ainda me alongava apoiando meus braços sobre a pia da cozinha, completamente distraída em meus devaneios. E, quando me viro, lá estava o idiota do Felix me olhando de cima a baixo, como se estivesse me comendo com os olhos.

Aquele tapado! Não passava de um delinquente pervertido. Sério que eu não posso nem mesmo me alongar que já surge alguém para acabar com a minha paz? Nem pensar, eu não vou deixar isso barato pra ninguém, muito menos pra esse tal de Felix. Quem ele pensa que é? Eu sou uma autoridade, droga!

De todos da casa, a pessoa com idade mais próxima a minha era ele, o resto já estava na faixa dos 30, 40, 50 anos. Talvez Charlie fosse mais jovem também, mas não se importava com mulheres ou farra, estava na cara que Charlie vivia do seu próprio livro, da sua própria fantasia criada por ele mesmo.

Então, por esse motivo, era óbvio que a primeira pessoa que Felix se aproximaria seria eu. E por que não? Homens são assim, mesmo no fim do mundo eles sempre dão um jeitinho de ir atrás de sua presa. Um bando de imprestáveis!

Me virei para Felix quando notei sua presença na cozinha. Me endireitei devidamente e nos encaramos por um breve momento. Seu olhar já dizia tudo, ele nem precisava abrir o bico para eu imaginar no que ele e sua mente perversa deviam estar pensando.

― Vai sonhando ― falei, o encarando seriamente.

― O mundo está acabando, amor, nunca se sabe ― soltou ele, apoiando-se sobre o batente da porta e estampando em seu rosto um sorriso de canto.

Como resposta, acabei deixando transparecer um leve sorriso sem querer. Por que raios eu fiz isso? Não queria que Felix visse, mas ele percebeu, sorriu novamente e continuou com aquele olhar intimidador sobre mim.

Naquele momento, notei que seus olhos eram azuis e belos, seu cabelo platinado parecia rebelde, que era a cara dele pelo visto. Depois decidi ir ao quarto de hóspedes descansar, então o larguei na cozinha sem deixá-lo dizer nem mais uma palavra. Estava cheia de ouvir piadinhas, como se não bastasse ter que aturar o Douglas 24 horas por dia reclamando sobre tudo e todos.

Minha raiva por Felix aumentava à medida que o via naquela casa. Ele sempre vinha com uma provocação imprevisível e soltava aquele sorrisinho de sempre como se tivéssemos algum tipo de intimidade. Eu o detestava desde o primeiro dia que o encontrei, mas parecia que Felix sabia disso e passou a me provocar com mais frequência. Digo, não que todo santo dia ele me flertasse, porque ele utilizava várias formas de provocação, mas Felix sempre conseguia me irritar de alguma forma. 

𝗕𝗜𝗥𝗗 𝗕𝗢𝗫, a história não registradaOnde histórias criam vida. Descubra agora