14 - Bilhete (POV LUCY)

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O estranho de sobreviver em meio ao apocalipse é que você não imagina que coisas horríveis e imprevisíveis podem acontecer a qualquer momento. Não importa quantos livros tenha lido sobre isso ou quantos filmes tenha assistido, você sempre será surpreendido com algum evento inesperado. Eu, por exemplo, nunca imaginei que me veria em tal situação, ao lado de um rapaz como Felix e todos os dias ter uma preocupação diferente batendo à porta.

Quando acordei, encontrei um olhar diferente estampado no rosto de Felix. Eu vi dor em seus olhos pela primeira vez. Anteriormente, parecia irritado pela perda da namorada, mas naquele momento apresentava uma expressão mais tranquila, eu acho.

Foi naquele momento, olhando para sua nova face, que percebi como a nossa relação tinha mudado ao longo do tempo. Éramos tão idiotas e brigávamos por qualquer coisa mínima, e não confiávamos um no outro. Eu percebi o quão ele amadureceu comigo quando confirmou que me ajudaria no resgate de Gaby. Me senti aliviada e percebi que poderia confiar em Felix, apesar das nossas diferenças. Parecíamos estar finalmente nos entendendo.

Quando finalmente saímos da casa, os raios de sol penetravam através da venda escura que me cobria os olhos. Agarrei-me ao braço de Felix, ciente de que estava completamente indefesa sem a visão. Caminhamos cautelosamente, com nossas poucas bagagens, e entramos no carro com pouca dificuldade. Felix tinha uma incrível noção de espaço, e foi quem me guiou até o veículo, assim como da outra vez.

Felix ligou o carro, colocamos o cinto. Sentada no banco do passageiro, a incerteza do que o dia reservava me atormentava.

— Lucy, não se preocupe, chegaremos lá em breve — disse Felix, ao volante, tentando me tranquilizar.

Eu assenti em silêncio, colocando o endereço da minha casa no GPS. Com o destino marcado, Felix começou a dirigir. Ele parecia mais calado do que o normal, talvez por aquela razão nossas brigas eram cada vez mais raras de acontecer. Contudo, depois de percorrer por algumas ruas, o carro bateu em algo, mas dessa vez não tinha como passar por cima ou desviar. Como estávamos com pressa, não achamos conveniente dar a volta pelo quarteirão.

— Felix, o que aconteceu? — minha voz soou trêmula.

— Acho que tem alguma coisa grande no meio da pista. Outro carro ou uma árvore, talvez. Vou verificar o que posso fazer. Feche os olhos enquanto saio — respondeu ele, colocando a venda e saindo do carro.

Ouvimos sons estranhos vindos de algum lugar próximo. Meu coração acelerou enquanto continuava vendada dentro do carro. Quando Felix voltou, seu rosto estava pálido.

— Acho que era um tronco, consegui arrastar. Precisamos sair daqui agora, aqui não é seguro — alertou ele, ligando o carro novamente.

O silêncio que se seguiu dentro do veículo chegava a ser quase ensurdecedor, e minha mente só conseguia pensar em uma coisa: Gaby. Como ela poderia estar naquele exato momento? Morta? Ferida? Ou ao lado de pessoas boas e confiáveis? Eu só queria encontrá-la bem, já estava cansada de perder pessoas em meio àquele caos apocalíptico.

Quando finalmente chegamos em minha casa, ficamos parados por um momento dentro do carro, nos entreolhando. Felix, percebendo que minhas mãos tremiam, a segurou gentilmente, me olhando com determinação.

— Vamos entrar lá. Juntos, ok?

— Ok, vamos. — assenti, soltando-o para colocar a venda.

Houve todo um processo complicado para que eu abrisse a porta e verificasse as janelas. Enquanto verificava, ainda vendada, chamava pela minha irmã.

— Gaby? Você está aí?

Levou um tempo até nos sentirmos seguros o suficiente para tirar a venda dos olhos. Felix e eu nos deparamos com a casa em ruínas. Enquanto ele procurava Gaby nos quartos, fui para a cozinha. A geladeira estava vazia e objetos revirados. Havia uma poça de sangue perto da mesa e um urso de pelúcia caído ao lado. Era o urso favorito de Gaby.

Não, isso não pode ser verdade!

Meu corpo caiu de joelhos quando não tive mais forças para me manter em pé. Agarrei a pelúcia com força e a abracei como se fosse Gaby. Comecei a soluçar e a chorar silenciosamente diante da poça de sangue, totalmente atordoada. A realidade começou a se enraizar em mim. Era impossível ignorar a ideia de que algo terrível havia acontecido com ela. Cada lembrança dela me trazia um misto de nostalgia e dor. Eu me culpava por não ter estado lá, por não ter feito o suficiente para protegê-la.

Enquanto o desespero ameaçava consumir-me, Felix chegou correndo na cozinha ao meu encontro, a voz carregada de uma energia estranha.

— Ela não está nos quartos — disse ele, entrando na cozinha. Virei-me para olhá-lo — Mas encontrei isso.

Felix segurava um pedaço de papel. Enxugando as lágrimas, meu olhar não sabia se encarava Felix ou se pousava para ler o que no papel estava escrito.

— O que é isso? — perguntei, pegando o papel de sua mão.

— Apenas leia — respondeu, com um brilho nos olhos.

Pus-me a ler.

“Lucy, aqui é a Gaby. Estou escrevendo esta carta caso tenha voltado para me buscar. Não se preocupe comigo, estou partindo com os vizinhos para um esconderijo seguro que disseram no rádio. Tive que sair da nossa casa porque havia um infectado entre nós que tentou nos matar. O corpo dele deve estar no portão. Estou bem, espero que esteja viva e encontre esta carta. Eu te amo”.

Depois de muito tempo, meu peito se encheu de esperanças. Tirei os olhos do bilhete e olhei para Felix, que, assim como eu, estava sorrindo.

— Ela está viva! Estou tão feliz!! — comemorei, pulando de alegria, mas logo senti uma dor na área lesionada.

— Estou muito feliz por você, Lucy — disse Felix, segurando minhas mãos firmemente. Nossos olhares se encontraram — Fico aliviado em saber que sua irmã está bem.

— Obrigada. Você é incrível.

Um silêncio pairou e senti meu rosto corar quando Felix fez uma expressão confusa.

— O que estou dizendo? O que deu na minha cabeça?? — pensei, desviando o olhar e soltando suas mãos, dando alguns passos para trás.

— Ahn, digo… Bom trabalho, Felix. — gaguejei, acenando a cabeça.

— Não precisa ficar tímida, Lucy. Eu sei que sou incrível. — respondeu rindo, se achando o tal. Sua personalidade rebelde parecia estar retornando naquele momento.

Minha mente começou a fazer perguntas. Que esconderijo Gaby se referia exatamente? Onde os sobreviventes do apocalipse estão se alojando, afinal? Eu ansiava por respostas. Se havia um lugar mais seguro para todos nós, então iríamos para lá com toda certeza.

— Precisamos voltar para a casa de Greg e avisar aos outros sobre esse lugar!

𝗕𝗜𝗥𝗗 𝗕𝗢𝗫, a história não registradaOnde histórias criam vida. Descubra agora