Castle On The Hill - Ed Sheeran

77 3 0
                                    

Festa. Eu gostava de me envolver nas organizações dos meus eventos, me ajudava a ter menos ansiedade, de algum jeito. Piscina limpa, banda contratada, buffet, decoração, lista de convidados, tudo perfeitamente calculado para que eu brilhasse. Quando eu era mais criança e as garotas se juntavam, eu escolhia uma idade para fingir: 16. Nas brincadeiras, eu gostava de 16 porque estaria terminando uma escola incrível, teria um namorado e uma inimigazinha que tentava destruir meu mundo cor-de-rosa.
Muita coisa mudou nesses poucos anos. Decidi não me envolver com ninguém, terminei em várias escolas por vários lugares e fiz uma lista de gente que não me curte. Enfim, 16 anos. Acho que a idade importa menos do que a festa.
.
Festa. Chegou, enfim.
Acordei com minha mãe cantando "Parabéns Para Você" em meus ouvidos. Ouvir a voz dela de manhã era reconfortante. Levantei de vagar e a abracei, agradecendo aos céus por este presente de aniversário. Logo ela me informou que não poderia estar na festa (pra variar), mas preparara uma surpresa (o que não me surpreende tanto, afinal, o que o dinheiro dela já não me comprou pra suprir a ausência?).
Tomei e fui até a mesa para meus remédios e café da manhã.
-Maria, onde está meiu pai? - perguntei me sentando.
-ainda não voltou, senhorita respondeu Maria docemente.
Já era uum costume cada vez mais frequênte. Ouvi meu pai sair as três horas da manhã e ainda não voltou.
Carlos Almeida. Não era meu pai de verdade, era meu padrasto. Nunca conheci meu pai biológico e ao tratar do assunto minha mãe vinha com um enredo montado recheado de "sabe como é filha, vida de artista, você conhece muita gente...". Depois que eu realmente comecei a entender o que isso significava, desisti de perguntar, era vergonhoso demais.
Então Carlos acabou como meu pai mesmo e, considerando que eu não tenho muito parâmetro, ele sempre foi bom o suficiente.
Não sei quando isso mudou, mas as coisas estão cada vez mais estranhas e saída de madrugada um tanto quanto frequêntes. Embora isso não seja assunto pra mim, tenho uma festa pra curtir.
.
Saí de perto da piscina e puxei o Lucas para um canto mais tranquilo. Minha casa tinha lotado rapidamente, então: finalmente sozinhos!
Eu já disse muitas vezes que ele era lindo, mas só mais uma nunca é de mais: ele era lindo! Olhos verdes, que contrastavam com uma pele escura, o cabelo curtinho e uma boca... Deus, aquela boca!
Até que, como por encanto, meu pai resolve aparecer, e me encontra aos beijos com um garoto que ele nem sequer sabia da existência. Ótimo, formidável, gênial!
Porém, o que se sucedeu foi, no mínimo, bizarro. Meu pai não pareceu me reconher, sorriu e suspirou para ninguém:
- Essas crianças... - então gargalhou. Riu até cambalear.
Precisei apoiá-lo nos meus ombros fracos. Lucas ofereceu ajuda, porém eu neguei. Levei meu pai até o quarto, tentando fugir de maiores atenções. Não era álcool, não, meu pai não estava bêbado, embora parecesse, ele não cheirava à bebida. Era como um transe, ele seguiu todo o percurso formando frases inéxas e rindo. Coloquei-o na cama com um sutil:
- Vê se não estraga a minha festa.
E saí. Saí até de casa, precisava entender aquele momento longe das pessoas que tanto se divertiam. Estaria meu pai drogado? Não é possível, pais não fazem isso. Vi alguém sentado na calçada, em frente a minha casa. Os cabelos bagunçados diziam tudo: Léo.
Fui correndo em direção a ele, me sentei ao seu lado e perguntei:
-Oi! Por que você não entrou?
-Ah! Oi Giu- disse, sem olhar para mim- bom o porteiro não me deixou entrar sem convite, então resolvi esperar.
O convite! Tinha sido tão rápido que havia até me esquecido.
-me desculpe! Eu me esqueci totalmente!
-Tudo bem!- ele finalmente olhou para mim- gostei do batom.
Eu sou realmente muito burra, fiquei tão irritada com meu pai que até esqueci que minha boca deveria estar horrível.
- Obrigada? - eu disse rindo e limpando a meleca.
Ele me olhou profundamente, com olhos castanhos que me arrepiavam, como da primeira vez que ouvi seus dedos tocarem acordes de violão, como sinto cada vez que o escuto. Parei de sorrir e deixei a mão que limpava minha boca,cair sobre meu colo, até que ele cortou o momento:
- Pegue, isto é para você.
Eu peguei uma pequena caixa com uma fitinha branca por cima. Abri e encontrei uma outra caixinha, preta, com uma Clave de Sol dourada no centro. Abri e achei uma correntinha dourada com um pingente de coração com um microfone no meio. Era linda, eu sempre amei cantar. Era de familia.
— Obrigada, é linda- disse tentando colocar
- Eu te ajudo - a mão dele segurou a minha. Eu não soltei o cordão, nem a mão dele e por um momento quase eterno, ele deixou estar - Se não quisesse ajuda, era só dizer.
Eu ri, soltando a corrente:
- Obrigada, vamos?
- Vamos! - ele se levantou em um pulo, jogou o cabelo para atrás e me entendeu a mão - Agora é que você pode segurar a minha mão e não soltar mais. Feliz Aniversário, Giulia Mendes.
.
Comecei a correr em direção a piscina, tinha muita gente junta em frente a um tipo de área coberta. Morta de curiosidade, fui ver o que estava acontecendo. Eu não podia acreditar, era a minha mãe, com toda a banda. Entrei no meio do "público" dela, para ficar bem na frente. Assim que ela me viu, estendeu a mão para me ajudar a subir ao palco.
Aquele deve ter sido um dos momentos mais feliz da minha vida, cantamos rios sucessos dela como "Por cima do Sol" e "Lei da Vida". Nunca tinha cantado com a minha mãe em um palco desse jeito, na frente de tanta gente, era como se, pela primeira vez, minha mãe parecesse ter orgulho de quem éramos.
Uma lágrima da mais terna alegria rolou por meu rosto.  Após o fim da festa, fui dormir em paz, livre dos medos que me atormentavam sempre. Era como se eu fosse um bebê novamente. Queria que aquele dia não tivesse fim.

Eu Apenas EsqueciOnde histórias criam vida. Descubra agora