Give Me Something - Seafret

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A semana passou rápido. Minhas provas já iriam começar. Eu estava segura, mas mesmo assim saia todos os dias para estudar com a Clarisse. Qualquer coisa para sair de casa.
Depois da minha festa meu pai entrou numa espécie de "crise" e vivia fora de casa, quando voltava estava estressado, gritava com o porteiro e ia direto para a cama. Minha mãe, quando estava em casa, dormia no quarto de hóspedes.
Meu sono estava cada vez mais distante. O que era ruim, afinal mesmo sabendo a matéria não podia ficar tão acabada nas provas. Minha psicóloga sugeriu exercício físico e chá. Fiz zumba, yoga e até natação nas sextas. Nada me desligava.
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Era uma sexta-feira, ultimo dia de estudos com meus amigos, agora incluídos Lucas e Léo.
Estávamos conversando sobre humanos, ou sei lá o que, quando Clarisse disse:
-Eu vou buscar um suco, Giu pode me ajudar?
-Claro-respodi, mas Lucas me parou.
-Pode deixar princesa, eu vou.
-tudo bem.
Voltei para o meu livro, até ouvir o sussurro da voz do Leo:
-Por que você se corta?
- O que? - Meu coração saltou, olhei para ele perplexa.
Ele pegou minha mão direita e empurrou levemente as cinco pulseiras pretas e brancas que cobrem meu pulso.
"Como ele pode saber? Quem contou? Ninguém, nunca falei disso para ninguem. Sim falei, minha medica...", meus pensamentos estavam realmente embaralhados. Respirei fundo e disse:
- não são cortes.
- A não?- aquela levantada de sobrancelha... - não eu... Eu cai de skate.
-não sabia que você andava.
- Agora sabe.- respondi, puxando meu braço.
Ele não parecia convencido, mas encerrou o assunto assim que os dois chegaram com o suco.
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-Eu não quero mais ir à médica.- disse para minha mãe no sábado de manhã.
- você bebeu?
- Quem bebe aqui é o papai.
- Desculpa, força de expressão. Me explica direito essa historia.
- Ah, mãe eu só...- olhei para um rosto novo colocando um pedaço de queijo no meu prato - ... Quem essa?
- Seu pai contratou.
- mas e a Maria?
- Ele mandou embora.
- Por que?
- Eu não sei- ela fez uma pausa, colocando uma colher de cereal na boca - Filha, voltando ao seu caso, você sabe que a sua terapeuta é imporarante para você, exigência da psiquiatra.
- Eu poderia fazer outra coisa, como andar de skate...- retruquei.
- Eu posso arrumar uma aula para você, mas não vai parar de frequentá-la tão cedo.
Levantei da mesa com raiva, não sei se foi o fato do meu pai ter demitido a Maria e contratado aquela garota que mais parecia uma modelo, se foi minha mãe ou o fato de eu ainda ter que frequentar o consultório daquela vaca que se passou por minha amiga só para poder contar meus segredos.
Resolvi ir para o parque, sem mais nem menos, queria sair. Lembrei que não tinha tomado meus remédios, mas e daí? Aquilo também não estava me ajudando muito.
Avistei um rosto conhecido sentado junto à minha árvore no Ibirapuera. Acredito que os caras lá de cima se apiedaram demais de mim para fazer aquele momento acontecer.
Sentei-me ao lado dele:
- Está meio cedo para estar assim tão pensativo, não está?
Ele pareceu surpreso, mas esboçou um sorriso, ignorando o comentário: - Como você está?
- Péssima, e você?
- Horrível - ele disse sorrindo - Sabrina terminou comigo.
Eu nem cheguei a trocar ideia com essa Sabrina, mas já não gostava dela. Quem terminava com alguém nove horas da manhã de sábado?
Resolvi quebrar o silêncio:
- São cortes.
- O que?
- Embaixo das pulseiras, não cortes mesmo. Que eu fiz.
- Bom, eu já vivi esse momento, por isso sabia quando vi seu braço pela primeira vez.
- E o que ajudou? - perguntei com profunda sinceridade, porque passar por isso é uma merda.
Ele sorriu:
- Sabrina.
Olhei para frente, tinha um casal brincando com um cachorro grande e preto, eu sorri.
- A gente precisa beber, tipo, muito! - eu disse, me levantando rapidamente. Cambaleei.
- Giulia, não deu nem a hora do almoço ainda - Leo riu.
- Isso é frase de gente f-r-a-c-a! - e saí correndo.
Ele veio atrás de mim, derrepente estávamos em um pequeno pega-pega eu acho, mas Leo não conseguia me pegar, eu sentia como se todo meu corpo tivesse recebido uma descarga estética e minha cabeça latejava demais com toda aquela circulação sanguínea.
- Peguei você! - ele disse, me abraçando por trás. Ele olhou pra mim e logo seu sorriso se desfez - Giu, você não está bem. Vou te levar para casa.
E eu apaguei.
Acordei ainda um pouco zonza, tentando entender como tinha chegado no meu quarto.
Minha mãe entrou. Parecia ela chorara muito.
-Mãe?- perguntei.
- Sim filinha, você está bem?
- Sim mãe, estou. O que houve?
- Você não se lembra? Você chegou em casa inconsciente - começou ela- Um amigo seu estava te carregando, disse que vocês estavam no parque. Prestativo ele não é?
- É sim, quanto tempo eu estou assim?
- Umas duas horas. Eu chamei uma equipe de médicos para cuidar de você. Não achei viável te levar ao hospital.
Minha mãe tinha dessa, ela não gostava de me levar ao hospital, não gostava de todo aquele assédio sobre mim. Já eu, não via tanto problema.
- Tudo bem. - respondi.
- Você tomou seus remédios?
- Não - respondi envergonhada.
- É por isso que você dica assim! Tem que parar de ser teimosa, Giulia, onde pensa que vai chegar assim?
Fiquei chateada por isso. Sempre era disciplinada quanto aos remédios, eram poucas às vezes que me esquecia, mas se eu estava tão dependente assim deles, talvez não deveria mesmo tomá-los em tal quantidade.
- Tenho uma entrevista hoje a noite. Quer vir comigo?
- Desculpa mãe, mas acho que hoje não. - O que tinha dado em mim? Nunca tinha recusado uma saída com a mamãe, elas eram únicas.
- Tudo bem. Qualquer coisa, chame Anne para te ajudar.
- Quem é Anne?
- A nova empregada.

Eu Apenas EsqueciOnde histórias criam vida. Descubra agora