Outrória - Anavitória

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Era minha primeira semana na nova escola. Era começo de agosto e eu sabia que era extremamente ruim entrar em uma nova escola, em um novo estado, no meio do ano. Fiz mamãe prometer que seria a última vez que algo assim aconteceria, mas que diferença faz? Ela já prometera em momentos anteriores. Isso sempre acompanharava uma desculpa difícil de refrutar: "é uma turnê nova, querida, fica mais fácil para mim te ver todos os dias se formos para São Paulo". Ela também disse isso quando saímos de São Paulo e fomos para Florianópolis no ano passado. Por fim, ela não dormiria todos os dias em casa e ano que vem, acabaríamos mudando novamente.
Olhei para todos os cantos da sala, reparei em cada tonalidade de íris e anotei mentalmente alguns detalhes: as garotas do canto direito, próximo à janela, iam me venerar, tentariam andar comigo e depois fofocariam com ninguém; o grupo que se estendia do centro para o fundo ia me convidar para qualquer festa ou evento, foi lá que eu me sentei, não pela amizade, mas pelo status imediato. Outras pessoas pela sala não se dariam nem ao trabalho de tentar, mas desejariam ao extremo ser parte do eu que eu criaria.
Logo percebi que isto seria tão fácil quanto em outros ambientes. Muita gente interessada na minha vida; de colegas de sala até professores. Difícil como em qualquer outro ambiente.
Eu sou filha de Mel Mendes, cantora de MPB que estourou, muito nova, na década de 2000 e voltou à toda no Brasil e no mundo; e isso importa mais que qualquer outro detalhe sobre mim.
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Tinha uma pessoa, uma garota, que não se encaixava em nenhum parâmetro. Ela era corajosa, engajada, não me idolatrava, nem me odiava. Só um garoto dava uma bola danada pra ela, tinha uns amigos nerds e não muito mais à oferecer.
Descobri que o Lucas Andrade, o garoto lindo que não a deixava em paz, dava bola para qualquer uma e, mesmo assim, não consegui largar a Clarisse, não com aquele jeitinho espetacular dela.
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Entre amar a popularidade e amar estar com Clarisse Rivera, eu era uma migrante. Nos dias tranquilos eu passava o intervalo das aulas falando sobre filosofia moderna ou a beleza dos gatos; nos meus piores dias eu saía para as festas ilegais regadas à álcool e som alto. Minhas máscaras eram tão diversas e alegres que, por mais que prevalecessem os dias ruins, não parecia. Instagram bombando de fotos, em diversos países, com diversos "amigos", mensagem de "bom dia" todos os dias no WhatsApp, proveniente de gente com quem não tinha intimidade comigo e não sabia, ou gente que sabia e não ligava, de qualquer maneira.
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- Está tudo bem por aí? - perguntou Clarisse, infelizmente, em um péssimo dia.
Olhei para ela sem reparar e logo me voltei para meu vazio interno.
- Giu? - ela insistiu.
Eu relevei, dei atenção para outras pessoas, liguei o celular ou algo do gênero. Não saberia dizer com certeza, e mesmo que soubesse não teria tanta importância, não é? Esse é o tipo de reação que você esquece em dez minutos... Mas a outra pessoa não; a pessoa que você destrata, lembra.
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Respondi por mensagem:
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Giulia Mendes: Me desculpa, foi outro dia ruim. Estou ansiosa com uma turnê da minha mãe... Você entende, não é?"
Clarisse Rivera: "Eu só queria que você confiasse em mim para qualquer situação."
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O que eu, de fato, não soube responder.
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Mas esse era só um pequeno conflito em nossa amizade. Afinal, que tipo de história seria essa com um conflito no primeiro capítulo? Por dentro, eu era apenas a garota nova aprendendo com pessoas diferentes. Clarisse era extremamente paciente com tudo isso e todo mundo achava ela incrivelmente sortuda por ser a única pessoa em que Giulia Mendes confiava no colégio inteiro. Mas, sinceramente, era bem o contrário, eu é quem era uma garota de extrema sorte.

Eu Apenas EsqueciOnde histórias criam vida. Descubra agora