NOSSA QUE LUGAR LINDO!!!
Estou no carro com o Estranho e estamos na rua.
O asfalto preto com a faixa branca, os carros coloridos passando de um lado para o outro, os ônibus são vermelhos!!! É barulhento mas ao mesmo tempo é tão tranquilo...
- Aqui é tão lindo - comento. Olho para o lado e vejo um círculo gigante um pouco a frente - O que é aquilo? - pergunto quando o carro para e algumas pessoas atravessam a rua. Algumas estão com os cachorros pequenos e peludos na coleira. Outros estão com ternos e maletas. Enquanto os demais andam apressados para sei lá onde.
- Roda gigante
-Eu sei que é uma roda gigante, mas quero saber o nome dessa coisa
- Se chama roda gigante, Coisinha - ele responde me encarando - Quanto tempo ficou no hospício?
- Estou lá desde que tinha sete anos e meio... - respondo - Já estamos chegando?
- Quase
- Você é muito calado
- Você que fala demais, Coisinha
- Não podia falar muito quando vivia no Hospital
- Me fala como era lá - ele diz e me olha - como era viver naquele lugar
- Bem... As enfermeiras me medicavam logo cedo - lembro do coquetel de remédios que tinha que tomar por conta da esquizofrenia - depois ia para a minha aula e ficava no jardim quando terminava- digo relembrando das flores secas e opacas que tanto amo
- Você estudava?
- Sim, claro! Algumas pessoas vivem lá e o hospital sempre deu um jeito para não deixar ninguém parado por muito tempo. Eles diziam que louco que fica muito tempo parado acaba criando confusão.
- Quais remédios você tomava? - ele pergunta estacionando o carro em frente a um lugar que tinha janelas de vidro enormes.
- Não sei o nome, eles nunca me diziam - respondo saindo do carro e entrando naquele lugar. A fachada era azul com branco e alguns detalhes em madeira mas de cor clara. Por dentro as paredes tinham um tom claro entre azul e branco. As mesas eram feitas de madeira e em alguns cantos tinham flores coloridas e um monte de vaso de plantas bem verdes espalhadas. As luzes são claras mas não ofuscantes. O cheiro de café é bom, não parece nada com o que tomava no hospício. O cheiro dos doces sendo preparados é muito gostoso e faz com meu estômago ronque. O lugar não é muito cheio mas mesmo assim não está tão vazio.
É aconchegante...
Ele me puxa para uma mesa no canto e logo uma garçonete vem nos atender. Seu avental é azul e branco mas fica folgado no seu corpo magro e seus cabelos claros estão presos em um coque no alto de sua cabeça. Em sua mão está um bloquinho de anotações e na outra ela arruma os óculos contra seus olhos escuros enquanto segura uma caneta.
- Bom dia! - ela nos cumprimenta - O de sempre senhor?
- Bom dia - falo também e o Estranho só me encara
- Sim, um Fry Up¹ para mim e um prato de panquecas com melaço para ela
- Claro! - ela responde anotando tudo -E para beber?
- Um suco de laranja para mim e café para ela
- Sim senhor ! Já volto
***
O café da manhã foi muito bom e agora estamos voltando para a casa dele
- Qual seu nome, Estranho?
- Ethan - ele responde quando entramos na casa - Agora vou ter que sair e volto mais tarde, Coisinha. Não tente fugir, senão te acho até no inferno e se não te matar, te devolvo para aquele hospício, entendeu? -apenas balanço a cabeça concordando e ele segura meu queixo com força me fazendo encarar aqueles olhos exóticos mas ameaçadores - me responda, Coisinha
-Entendi
- Ótimo - ele solta meu queixo e sai trancando a porta.
***
As horas passam... Duas para ser mais exata e nada do Estranho...
Ele nos deixou...
Ele vai nos levar de volta...
Vamos morrer...
As vozes na minha cabeça não param, pelo contrário, elas só aumentaram.
Não aguento mais.
Cade o Estranho?
Ele nos deixou. Sempre soube que ele ia nos deixar. Nossa mãe nos deixou também.
-Para, para, para - sussurro
É a verdade, Angela.
Você sabe que é verdade...
-Preciso dos remédios - sussurro - preciso deles
Não, Angela. Não precisa
Flashback on
Minhas mãos estão frias e estou tremendo e as vozes não se calam nunca. A roupa do hospital está encharcada por causa do banho frio que eles jogam em mim
- Me responda sua maluca - uma enfermeira grita - tem certeza que não quer os remédios? - não consigo responder coisa alguma pois minha boca está tremendo demais e ela joga outro balde de água fria em mim - ME RESPONDA!
- SIM -grito em desespero - PRECISO DELES - minha boca treme violentamente e acho que vou quebrar os dentes.
Ela joga outro balde de agua gelada em mim e escuto sua risada antes de desmaiar.
Flashback off
Estou sentindo o mesmo frio que senti naquele dia.
Sem perceber e estou me coçando toda de desespero.
Meu corpo todo coça.
O ar não passa.
Começo a me desesperar.
As vozes não param.
Angela...
Vamos morrer aqui
Ele nos deixou
- CALEM A BOCA - grito e jogo coisas no chão.
Vamos fugir
Não vamos fugir
Vamos voltar, precisamos dos remédios
Não precisamos, estamos bem
Quando dou por mim, meus braços estão vermelhos e com alguns cortes
- FIQUEM QUIETAS!!! - grito mais e acabo socando o espelho fazendo ele se quebrar
O ar todo me falta.
Não consigo respirar...
Minhas mãos estão sangrando, meu corpo inteiro está tremendo e estou zonza.
Tiro as roupas do Estranho enquanto tento ligar o chuveiro mas acabo escorregando e bato a cabeça.
Tudo está ficando escuro...
Elas não falam mais na minha cabeça...
Não falam mais...
Sorrio e me entrego.
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¹ Fry Up é o típico café da manhã londrino, tem esse nome pq basicamente tudo é frito e é composto por:
Linguiças (sausages)
Chouriço (black pudding)
Ovo frito (fried egg)
Tomate frito ou grelhado (tomato)
Cogumelos salteados (mushroom)
Feijão branco assado com molho de tomate (baked beans)
Bacon
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Jack
RomanceO Hospital Psiquiátrico Salvação foi o "lar" de Ângela Petrissione por muito tempo. Abandonada pela mãe com sete anos de idade, finalmente consegue fugir com total sucesso, mas acaba vendo uma cena de horror em sua frente. Ele a vê no momento erra...