5.Júlia

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Perdi a hora. Saio correndo pela casa, pensando se dá tempo de ir ao mercado, mas vejo que estou muito atrasada. Faço uma lista mental de tudo o que tenho no restaurante me perguntando se, realmente, preciso ir. Depois de uns minutos decido que não, tudo bem. O movimento não está tão intenso assim de qualquer forma. Resolvo fazer um café da manhã já que não vou sair. Faço torradas, ovos mexidos e suco de laranja. Desisti da tangerina, depois de duas tentativas frustradas.

Preparo meu café, coloco tudo em uma bandeja e vou pra minha sacada do quarto. Estou lá quando o Miguel passa correndo. Ele não me olha e eu agradeço por isso. Quando está chegando na beira do lago, ele tira a camisa.

Uau.

Vejo suas costas tatuadas e sinto um arrepio. Lembro do seu cheiro no dia anterior, do jeito que mexeu comigo, lembro de como ele tocou meu lábio. Achei que ia desmaiar. Fiquei sem reação por tempo suficiente pra ele abrir um sorriso debochado.

O que ele quer aqui na quinta-feira?

Olho pra minha blusa branca e minha calça de pijama de corações.

O que ele quer comigo?

Pare com isso já, Júlia! Me repreendo mais uma vez. Esse tipo de pensamento não leva a nada! Você é uma mulher linda, independente, gente boa... Isso mesmo, cadê todo aquele pensamento de autoconfiança? Estou falando comigo mesma na minha cabeça, quando dou uma mordida na minha torrada com ovos mexidos.

Que. Nojo.

Que nojo, que nojo, que nojo.

Comi um ovo podre. Quero cuspir, mas vejo o Miguel voltando. Será que ele esqueceu alguma coisa? Ele vai ver se eu cuspir no prato?

Ele está sorrindo, o gosto está me deixando enjoada, acho que vou vomitar, não consigo mastigar.

Que nojo, que nojo, que nojo.

Engulo. Engulo de qualquer jeito e isso machuca a minha garganta. Tusso. Estou me engasgando.

Merda.

Bebo um gole de suco. Tusso mais. Agora, o Miguel está fazendo uma cara estranha. Meu Deus, ele está sem camisa. Meu Deus, ele é todo tatuado, estou sem ar... Não sei se por causa do Miguel ou porque estou engasgada, mas bebo outro gole, desesperada.

- Tudo bem, Júlia? Você está bem?

- Tudo! – grito de volta. – Tudo bem!

- Você está meio... Vermelha.

- Eu me engasguei, foi só isso, não é nada...

- Cuidado, Julinha – grita Dona Janete, de repente. Eu nem tinha visto que já era a hora de varrer o jardim. – Por que não faz um teste de covid? Essa tosse toda...

- Não! Não, não, não estou com covid... – juro imediatamente, lembrando que encontrei Miguel na noite anterior e, agora, ele parece genuinamente preocupado. Ele franze o cenho: - Sério, Miguel. Me engasguei, não estou com covid, não se preocupe.

Seus olhos estão brilhando por cima da máscara. Sei que está sorrindo. Percebo o que eu acabo de dizer. Dona Janete solta um assobio. Marita está saindo bem na hora e está olhando do Miguel pra mim e de volta pro Miguel, com uma boa parada naquele abdômen perfeito.

Por que eu falei isso? Por quê?

- Será que eu também deveria fazer um teste de covid? – pergunta Miguel, claramente se divertindo com a plateia ao nosso redor.

Café, milho e... Miguel | DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora