Júlia está na minha casa e estou tentando não sorrir que nem um idiota. Estou feliz. Imaginei Júlia aqui, muitas vezes. Principalmente, nesses últimos meses. Essa pandemia me fez ver o quanto eu estava sozinho, o quanto os meus relacionamentos não valiam nada. É claro que eu tinha uma esperança de criar uma conexão com uma das várias mulheres que eu tive. Mas nunca aconteceu e eu sei bem o motivo.
Não aconteceu, porque já tinha acontecido. Há muitos anos, quando eu olhei para essa garota. Tive uma conexão com ela, mas fui covarde. Era muito novo e idiota. Mas isso não importa agora.
Agora, ela está aqui.
Ela observa a minha casa com olhos curiosos. Eu adoro os olhos da Júlia. São castanhos, grandes, cheios de cílios compridos e parecem ver tudo com otimismo. Quando ela me olha, sinto que posso ser um cara legal, posso ser um homem bom, merecedor de estar com ela.
- Vou fazer o hambúrguer... Você quer me esperar na sala?
- Por que eu faria isso? – ela pergunta, bebendo um gole de vinho.
- Para você não ficar com cheiro de hambúrguer...
Ela ri e morde o lábio inferior, pensativa. Tenho vontade de morder ali também. Ela se senta em um banquinho que dá para a bancada da cozinha.
- Miguel, eu passei o dia inteiro em uma cozinha... Além disso, não sinto cheiros... Quase não sinto. Então, tudo bem.
Olho para ela por um instante, enquanto penso se devo falar alguma coisa sobre isso. Ela me parece... triste. Sei que ficaria desesperado se não conseguisse sentir mais cheiros. Sou um cozinheiro. Fico pensando em como ela está administrando o restaurante da família sozinha e ainda mais com esse problema...
- Seus pais sabem, Júlia?
- Ahn... Não, não sabem – ela admite. Passa a mão no pescoço, gira um anel no dedo. – Não quero contar.
- Por quê? – O hambúrguer está fritando agora e o cheiro está incrível. Penso que ela não está sentindo nada e isso me deixa com pena.
- Papai é muito protetor... Com o restaurante. E eles são idosos. E não quero que saiam de casa. Pelo menos, enquanto as coisas não melhorarem... Fico com medo que ele ache que não consigo dar conta do restaurante... Vou me sentir culpada se ele voltar a trabalhar por causa disso, porque não dei conta.
Ela parece surpresa. Então, sorri e diz: - Nossa, acho que é a primeira vez que falo isso em voz alta.
Termino de fazer as batatas fritas e coloco em um pote na frente dela. Ela pega uma e mordisca. Pega outra e solta um suspiro de satisfação. Pega mais uma.
- Desculpa, não consigo me controlar...
- Não quero que se controle – respondo. Ela para, uma batata nos dedos, a boca semiaberta, os lábios vermelhos. Olha pra baixo. Acho que deixei a Júlia tímida. Ela fica ridiculamente bonita quando está tímida. – Fiz pra você.
Espero que ela saiba que eu não saio cozinhando em qualquer encontro. Espero que ela saiba que cozinhar é algo especial pra mim, pra minha família. Espero que ela se dê conta, das várias histórias sobre mim que eu sei que ela ouviu, que nenhuma outra mulher ganhou um jantar.
Termino os hambúrgueres e vamos pra mesa da sala. Júlia come vorazmente, como se aquele hambúrguer fosse a coisa mais gostosa que já experimentou. Ela não mede elogios ao meu hambúrguer e eu fico feliz que nem um bobo.
- Vai parar de pedir Aroburguer, então? – pergunto.
- Você só se importa em ganhar uma cliente, não é?
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Café, milho e... Miguel | Degustação
RomanceInimigos nos negócios podem se dar bem na cama? Quando uma chef de cozinha se envolve com seu rival, ela está determinada a não se apaixonar, mas ele vai deixar isso bem difícil... Júlia está lutando para manter o restaurante da família durante a p...