Comerciais Felizez

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Cherry

Corpos para todos os lados com suas viceras expostas e rostos deformados. O som das bombas explodindo era ensurdecedor. Eu não fazia ideia de onde vinham os tiros, não tinha nenhuma arma para me defender. A única coisa que podia fazer era abaixar e esperar que alguém estourasse os meus miolos.

- Cherry! CHERRY!

Me sentei ofegante. Minha camiseta estava encharcada de suor, meu coração parecia que iria rasgar o meu peito e ao meu lado Rosie me olhava assustada.

- Você... Você tá bem? - Tive medo de tê-la machucado novamente durante o pesadelo.

- Eu to Meu bem. Está tudo bem. Foi só um pesadelo. Não pode te machucar lembra? - Seus olhos preocupados cortavam o meu coração enquanto ela acariciava o meu cabelo.

- Sim...

Rosie levantou saindo do quarto. Não entendi muito bem até ela voltar com um copo de água que parecia gelado. Sua barriga estava crescendo, já dava para ver ela arredondando, a médica disse que teríamos uma menina... Como vou conseguir proteger a nossa garotinha se mal consigo cuidar da mãe dela? Eu me esforçava para não pensar nisso.

- Aqui. Toma tudo. - Me entregou o copo ficando em pé ao lado da cama.

Bebi o copo d'água sendo observado por ela ao mesmo tempo que acariciava o meu cabelo tentando me acalmar. Coloquei o copo no criado-mudo a abraçando conseguindo deitar a cabeça em sua barriga.

- Ela está se mexendo - Sussurrei não tendo certeza se ela me ouviu ou não.

- Ela gosta quando você toca ela. - Sussurrou de volta mostrando que havia ouvido.

Rosie deitou ao meu lado me puxando para os seus braços. Deitei em seu peito conseguindo ouvir as batidas do seu coração. Era quase como uma canção de ninar enquanto ela ainda brincava com as ondas do meu cabelo cantarolando alguma coisa, mas não consegui identificar a música, mas era calma, lenta, do tipo que te embala sem você se dar conta.

O outono estava chegando. As folhas já começavam a ficar alaranjadas. Tínhamos uma árvore no nosso terreno, gostava de observá-la fumando um cigarro as vezes. Devia colocar um balanço nela, Rosie iria gostar, nossa filha também poderia brincar nele, não deve ser difícil de fazer.

Joe e eu trabalhávamos juntos. Ele também havia ido para o exército e lidava com as suas merdas tão ruim quanto as minhas. A diferença é que eu tinha um bebê a caminho...

Na teoria eu estava limpo já 4 meses, mas na prática é um pouco mais complicado. Rosie me dava os comprimidos de oxi, mas eu conseguia arranjar alprazolan. Perdi um dos ultrassons por estar chapado.

Rosie ficou puta comigo, nós brigamos, mas ela me pediu desculpa. Por que caralhos ela acha que essa merda é culpa dela para que ela tenha de me pedir desculpas?

De qualquer forma não era sempre que eu ficava chapado, o que deve ser bom, mas eu precisava ficar limpo antes do bebê nascer. Que tipo de exemplo eu seria? O exemplo que os pais apontam na rua e dizem " Tá vendo aquele merda ali? Se você não estudar vai acabar igual ele."

Minha garota sempre fazia meu almoço, nunca esquecia e sempre tinha um bilhete com uma carinha feliz dizendo "bom apetite". Devia comprar algo para ela na volta para casa.

Passei no Walmart pegando um bombom, era o que dava para comprar com o que eu tinha no bolso naquele momento. Quando eu cheguei ela estava fazendo o jantar. Me aproximei devagar ficando atrás dela, colocando a mão na sua frente e a abrindo mostrando o bombom.

- Cherry. - Ela pegou o bombom virando pra mim com um sorriso largo me abraçando. - Obrigado meu bem.

Era só um bombom. Um bombom de um dólar. Mas ela agiu como se eu tivesse dado um colar de diamantes ou algo do tipo. Era fascinante.

- Como pode ficar tão feliz com um bombom? - Soltei um riso nasal.

- Mostra que você pensou em mim. - Ela sorriu me dando um selinho. - Agora vai tomar banho. O jantar está quase pronto.

Lhe dei um último beijo antes de subir para o banheiro. A água quente atingia os meus músculos doloridos. De cabeça baixa eu deixava a água cair, fechei os olhos por um segundo e esse segundo foi o suficiente para que a escuridão viesse.

Cerrei os punhos tentando trazer outras memórias, alguma que sobressaisse me dando algum conforto, mas quanto mais eu procurava na minha mente mais ofegante minha respiração ficava.

- Meu bem. - Abrindo os olhos vi Rosie parada me olhando com um copo na mão. - O seu remédio.

Ela abriu a mão me mostrando o comprimido de oxi. Estiquei a mão pegando o comprimido e tomando com a água do chuveiro mesmo.

- Obrigado bebê. - Essa mulher deve ler os meus pensamentos...

Ela sorriu saindo do banheiro tomando o copo d'água com uma mão apoiando as costas.

Sentindo meus batimentos voltarem ao normal sai do banho me vestindo e descendo para o jantar. Ela fez uma macarronada que até os vizinhos deviam estar sentindo o cheiro e querendo um pouco.

Eu tomava uma cerveja e ela um suco de laranja sentada de frente pra mim.

- Como foi no trabalho? - Perguntou antes de levar o garfo a boca.

- O mesmo de sempre. O Joe ficou puto por alguns caras estarem reclamando do café está ruim.

- Não estava?

- Estava uma merda mesmo. -Ambos rimos. - Mas não a ponto de jogarem fora como estavam fazendo. Joe disse que faziam isso por nunca terem ido a guerra e experimentado o que é uma merda de verdade.

Apertei um pouco mais o garfo comendo para evitar os pensamentos.

- Uma criança vomitou no meu pé hoje. - Rosie chamou minha atenção prova somente percebendo que aquele assunto estava me trazendo algo ruim. - O estranho é que... Tinha glitter. É isso que as crianças comem hoje em dia?

- Na minha época era grama e terra.- Dei de ombros a fazendo rir.

Lavei os pratos depois do jantar e fiz pipoca levando para a Rosie que estava no sofá assistindo a um filme que passava. Deitei a cabeça no seu colo e ela apoiou o pote de pipoca na minha cabeça me fazendo soltar um riso nasal ainda recebendo um tapa no braço por ter me mexido.

Esses momentos. Esses poucos momentos de paz que tínhamos faziam com que eu sentisse o doce sabor que era ter uma familia. Uma esposa que eu amo, uma casa boa no subúrbio, uma filha para nascer... Os poucos momentos da vida que chamamos de felicidade.

Mas a vida não é assim. A vida é um filme de merda com curtos comerciais felizes e já estava na hora.de voltar ao filme...

Cherry & RosieOnde histórias criam vida. Descubra agora