Posso te sentir passar,
Velho amigo meu,
Querido inimigo,
Meu fardo familiar.
Você se esconde tão, tão bem,
Discreto,
Meu golpe estilhaçado,
Minha besta entre folhas em noite sem estrelas,
Escuridão absoluta.
Ah, posso te sentir tão próximo.
Minha garganta queima,
Meus olhos oferecem a água de meu corpo,
É assim que sei quando você vem para mim outra vez.
Ego furioso,
Te diverte nas chamas,
Exige sacrifício de mim,
Demanda palavras de poder na língua perigosa.
Nunca se esqueça,
Nunca perdoe,
Nunca se permita curar,
Mantenha a ferida aberta,
Embebida em álcool e sal e fogo,
Não se atreva a ser agradável,
Flexível,
Humano.
Ah, minha Besta,
Fera de mim,
Tua língua de prata estala em minha alma,
Serpenteia ao redor de meu coração.
Tua voz é doce e perigosa, quase que necessária.
É tão mais fácil desistir, se deixar levar.
Mas há meu certo a ser feito,
Nada significativo carrega facilidade,
Atos memoráveis são forjados em fogo e sangue,
Culminam no ápice do sacrifício,
Eternizados são no ecoar através do Tempo,
Atado no peito de sua própria abstração.
Você entende, apenas escolhe não se submeter,
Fera indomada,
Não se atreve a ser tocada, sequer alcançável.
Mas,
Deixe que eu lhe diga algo que um dia me foi segredo,
Criado em mim,
Descoberto por mim,
Vivo em mim:
Tais palavras carregam coração e alma,
Tais palavras carregam tudo aquilo que sonhei,
Tudo que me fundamenta,
Que me carrega,
Minha humanidade,
Meu tudo,
Meu Todo.
Não percebeu, meu bem?
Se afoga,
Vai embora,
Flua para sempre por entre meus dedos.
Este corpo lhe pede gentilmente,
Por favor,
Me deixe dormir,
Me dê o Sono sem sonhos,
Meu eterno descanso.
Mas...
Mesmo isso você me nega,
Posso lhe ouvir uivar meu nome,
Não há sequer lua no céu,
As estrelas abandonaram este anoitecer,
Então diga para mim o que você quer de verdade,
Por que exige tanto?
Por que uiva?
Questiono-me qual humor há na escuridão ao nosso redor,
Que nos une e consome e de nós nasceu.
Posso te ver sorrir,
Tuas presas brilham como um par de amantes lunares em mar negro,
Tua língua escorregadia despeja veneno neste mar,
Dele se deleita,
Nele tudo deságua.
Posso te ver me devorar,
Presas ao redor de minha carne,
Suas garras desenhando em meu corpo palavras de maldição eterna,
Venenoso, mesmo teu toque é intoxicante,
Queima como pecado.
Mas,
Quero te dizer,
Quero te perguntar,
Quem você pensa ser para me olhar com esses olhos teus?
Eles julgam.
Não irei me impedir,
Meus joelhos não mais dobram,
Não permito ouvir o soar doloroso de teu posicionamento.
Tua boca não só devora,
Ela fala excessivamente,
Então a cale para sempre.
E aquele olhos teus,
Afunde ambos em teu crânio,
Afogue-os no sangue,
Cegue-os.
Então,
Silêncio.
Fique quieto.
Saiba seu lugar.
Eu possuo você.
Você existe em mim.
Dentro de mim,
Parte de mim.
Minha sombra,
Meu segredo,
Meu silêncio,
Meu fardo,
Minha dor,
Minha parte do Todo,
Meu orgulho.