Capítulo I - A Floresta Sombria - Parte 2

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Enfim, o cientista estava em um dos estábulos. Ele terminava de amarrar as coisas que julgava precisar para entrar na floresta. Esta seria uma viagem não muito longa, mas que renderia algumas noites. Diferente do antigo manto usado na época em que era perseguido pelo império, vestiu um com tons bejes; o de agora tinha os mesmos símbolos estampados aos ombros que a sua capa branca. Não era pesado e nem longo como o que usou mais cedo, terminava próximos das cochas, mantendo bolsos em quase todo o interior da roupa resistente. Ao animal estavam duas bolsas, uma em cada lado, levando algumas coisas mais pesadas como alimentos, algumas varas, um longo tecido para montar um abrigo a noite, alguns pequenos potes para guardar algo inesperado que poderia encontrar dentro da mata e alguns outros equipamentos científicos. Mantinha a sua espada — a qual usava com menos frequência agora. Nas aberturas internas de se manto curto, carregava equipamentos indispensáveis para ele, como uma faca, para cortar as folhagens ou caso entrasse em combate com algum animal que habitava o local, um livro cheio de páginas em branco junto com pequenas hastes de carvão e grafite, para anotar qualquer informação útil e, por fim, o pequeno saco com o remédio herdado pelos seus pais. Este último representava mais uma lembrança do que um resultado para a cura. Ele ainda não havia testado nos doentes, por pensar que, caso funcionasse, o estoque limitado acabaria em um ou dois dias. Talvez, ao entrar na floresta, ele encontrasse algum ingrediente novo para tentar reproduzir o que tinha ou, quem sabe, a própria fonte.

Algo dizia a ele que a pesquisa não era o real motivo para a viagem. Tudo o que havia batalhado para conseguir em Kohan parecia não fazer mais sentido algum. Por que, ainda fazendo aquilo que ele acreditava ser o seu motivo para viver, tudo era tão... Vazio? Ele se sentia não existindo em meio a tantos outros; os doentes apenas chegavam e iam. E ele, sempre no mesmo lugar, fazendo o que sempre buscou fazer. Seus anos de estudo agora postos em prática pareciam não valer de nada. Todo o seu respeito e dedicação ao rei era apenas uma forma "honrosa" de se mostrar, porque ele não suportava encará-lo de outra forma. Não houve ninguém para vingar os mortos, devolvendo as chamas ao castelo, pelo contrário, ele foi o único que impediu que isso acontecesse. Apenas abaixar a cabeça para o seu antigo inimigo era algo que lhe colocava ira, mas ele tinha que fazer, pelos outros. Ele tinha acesso o suficiente para pessoalmente atear fogo ao castelo e pôr um fim na vida do imperador, mas isso acabaria com todos os sonhos; todas as outras vidas que se reergueram, tanto da opressão quanto das enfermidades. Essa importância o deixava impotente e o fazia ter a vontade de sumir; as vezes até mesmo de morrer. Esse era esse o seu real motivo à floresta. Talvez assim ele pudesse ser esquecido ou, melhor ainda, para ele, esquecer de si mesmo.

Sabendo do que poderia acontecer, sabendo dos perigos que poderia encontrar, sua motivação crescia. Por isso, o cientista fez questão de ir sozinho. Seus olhos cansados mantinham-se para baixo, fazendo o mestre dos animais se questionar sobre o médico que não disse uma única palavra depois de pedir um cavalo. Com as esporas batendo ao equino, ele comandou que seguisse devagar, saindo pela porta da frente, foi visto por outras pessoas que faziam o mesmo questionamento, algumas o reconhecendo pessoalmente, outras, reconhecendo apenas o brasão em seu braço, algo que o acompanharia até os últimos dias de sua vida.

Quanto mais se distanciava do castelo, mais o médico via um contraste repugnante e milagroso entre as pessoas e outros cientistas. Vezes, os famintos eram ajudados pelos que mantinham o seu manto em símbolo aos anos de perseguição, vezes, até os necessitados os olhavam rasteiro. Ainda existiam algumas perseguições vindas da população, mesmo que os pesquisadores tivessem provado que apenas os ajudariam de todas as formas, tanto a cura de seus parentes feridos, quanto às armas na frente de guerra. Esta cena em parte chocante já representava algo muito melhor se comparado ao passado. As pessoas não mudavam, como se algo as prendessem nessa teimosia de amaldiçoar tudo que não conheciam. Algo além de seu alcance, longe das mãos até mesmo dos cientistas.

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