Belle: O azul cinzento que me fascina

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Tudo foi apenas um sonho. É isso.

Nada passou de um estúpido sonho!

Tenho medo de abrir os olhos e perceber que sonhei além da conta desta vez. O estranho é que quero que seja real. As partes ruins e as partes boas. Se for, finalmente sei o porquê do meu pai me desprezar tanto. Parece idiotice de minha parte, mas, sendo sincera, sei que só assim terei coragem de esquecer aquele homem.

Eu poderia perdoar qualquer outra desculpa. Uma traição da parte de minha mãe. Talvez, até o desajuizado achar que tive culpa por ela ter ido embora. Na verdade, tive várias teorias ao longo do tempo. Em todas elas, encontrei motivos para perdoar ele. Mas, de forma alguma, perdoaria minha teoria mais recente. – Por teoria, digo que é quase impossível ser real. Vou abrir os olhos e ainda estarei na fazenda, condenada a minha ridícula vida patética. – Dessa vez, não consigo encontrar razões para o perdoar. É um absurdo Felipe me culpar por ter nascido menina.

Por falta de um pênis? Poxa!

Ok, estou sendo uma hipócrita. Sei que se fosse apenas por esse detalhe, encontraria sim um jeito de meter a borracha em tudo. Digo, o desprezo dele nunca foi e nem será o ponto principal da questão, me acostumei. Felipe ter maltratado mamãe por minha causa foi a chama que destruiu qualquer chance de redenção que ele tinha comigo. Cheguei ao meu limite.

Não há volta.

Quando lembro das partes boas, o pingo de esperança que tenho desaparece. O homem misterioso deve ser uma alucinação. Apesar de ser um idiota a parte, foi ele quem me salvou. O que é bom demais para ser verdade. O universo jamais mandaria alguém assim, do nada. Sei que se fosse real, estaria condenada a um casamento de fachada. Mesmo assim, torci para que, com ele, fosse tudo diferente. Sem surras, sem maltrato, sem julgamentos. Aguentaria de boa ser mulher de um desconhecido se esse desconhecido fosse bom. E mais, ele foi bom com minha Hope. É o bastante.

Preciso abrir os olhos e encarar a realidade, seja ela qual for. Minha coragem vem e se vai na mesma proporção. Tenho medo de que ele entre pela porta e me bata a qualquer momento, é o que Felipe sempre fez, mesmo que não houvesse motivos para ser “severo”. Em algumas ocasiões o desalmado ficava parado ao lado da minha cama, apenas esperando que eu acordasse. Cena de filme de terror.

Depois disso...

Bem, é cruel pra caralho!

E, falando em porta, ela se abre. Escuto um ranger mínimo. Interessante...

Felipe nunca é cauteloso nas entradas.

Tento pensar em alguma coisa boa que possa me dar forças para lutar contra esse desejo de querer a morte. Primeiro, penso em Hope, minha esperança de uma vida melhor. Só aqueles pelinhos negros e olhos azuis cinzentos podem me tirar dessa cama. Mas, quando penso nos olhos azuis cinzentos dela, uma lembrança me vem a mente. Segundo, é ele quem consegue completar a parte que faltava da coragem.

A mesma cor de olhos.

Os dois tem a mesma bendita cor no olhar! Aquele azul que se perde em meio ao cinza das nuvens dos dias chuvosos. Por pouco que não choro. Quanto mais penso nos detalhes, mais é possível que tudo seja uma invenção da minha cabeça, o universo nunca foi legal comigo, por que agora seria diferente? Meus olhos se abrem rapidamente. Que se dane o que pode ser real ou não! De qualquer forma, ainda estou aqui, viva. Não tem como fugir.

Observo o lugar atentamente. O ambiente é estranho. O cheiro do lugar é estranho. Cheiro de... limpeza e remédios! Em um impulso de momento tento levantar-me da cama. Aquele pingo de esperança ressurge.

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