Belle: O homem misterioso

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           Como uma boa filha, eu deveria estar empolgada com a chegada do pai.  

Nunca fui boa, afinal...

Já é quase seis horas.

Observei o pôr do sol assim como faço todos os dias. Confesso que é um momento que me causa um misto de alegria e tristeza. Alegria, porque amo tudo ligado à natureza. Tristeza, porque sei que ele está prestes a chegar. Queria que esses sentimentos – medo e angústia – fossem apenas bobagens sentimentais, mas a situação é bem mais complicada. O que eu sinto não é recente...

Nada disso é.

As coisas que sinto, os passos cautelosos que dou ao longo do dia, as palavras calculadas que saem da minha boca, o desejo de ir embora... são tudo consequências de uma vida infeliz, cheia de traumas e sofrimento. O medo é um hóspede antigo. – Ouço o barulho do carro. Pela altura do som do motor, ainda está distante. É isso! Não vou ficar aqui fora esperando as coisas se repetirem. 

Levanto-me do chão apressadamente e corro até a casa.

Minha respiração está acelerada e todos os meus sentidos atentos. Preciso mesmo conseguir um pouquinho que seja de calma, ele sente quando estou apreensiva e apavorada. É estranho, porém, tenho a impressão de que é exatamente isso que o meu pai deseja de uma filha. Toda a impotência – que sempre fez parte de mim – faz com que as coisas sejam bem mais satisfatórias para ele.

Minha cachorra, Hope, começa a latir.

Merda, esqueci de amarrá-la!

Odeio prender minha bebê, só que se eu não fizer isso, ele irá matá-la.

Hope é uma pitbull que apareceu aqui na fazenda há dois anos. Graças a ela, tenho companhia. Minha única companhia. Foi difícil convencer meu pai de deixá-la ficar, quando o convenci, foi ainda mais difícil manter ela viva. A Hope o odeia e não tiro sua razão, mas a pobrezinha tenta me proteger a todo custo. Descobri isso da pior maneira possível. Não é um talvez, é uma certeza. Devo minha vida a ela. Por isso, corro para fora de casa, indo em sua direção.

Hope para de latir assim que me vê.

Ela se senta na terra e pede carinho.

- Desculpa, bebê. Ele está chegando. – ao escutar a palavra “ele”, Hope rosna. O que posso dizer, ela é esperta. – Eu sei, eu sei. Desculpa, bebê. Agora nós só nos veremos amanhã. – Hope abaixa a cabeça, como se estivesse triste de verdade. Sei lá, sinto que ela entende as coisas que digo. – Venha cá! É para o seu bem. – ordeno. Ela me acompanha até a casinha por obediência e não por vontade. Quando prendo a corrente em sua coleira, me ajoelho no chão, ficando de frente pra Hope. – Eu te amo muito! Juro que quando souber como, iremos fugir deste lugar. Só te peço paciência, okay? – peço educadamente.

Tenho dó, mas preciso ser ágil senão...

Ouço passos vindo detrás de mim.

Pode ser só coisa da sua cabeça, boba.
 
Não, não é só coisa da minha cabeça. Sei disso porque Hope começa a rosnar quando encara alguma coisa bem específica atrás de mim. Levanto-me e viro apressadamente. Falho na tentativa de não expor meu medo, minha pele fica toda arrepiada. Para ele, sempre fui e sempre serei apenas um cordeiro. Fraca e indefesa. – Nunca me acostumei com essa vida patética de merda onde esconder-me e ser cautelosa em cada passo significa prezar pelo dia seguinte. 

- Cale a boca dessa peste senão eu mesmo irei calar!

E tudo já começa a base de ignorância, sem qualquer cumprimento ou sorriso. A questão é que a filha “anormal” tem um pai para lá de ausente.

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