Capítulo 1

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Não podemos  continuar assim! —exclama William, pela décima vez em menos de uma hora.

—O que você sugere? Que fiquemos no meio da estrada esperando a lama secar? Você sabe que já estamos atrasados, não podemos perder mais tempo! — retruco.

Saímos da Capital há três semanas, com o destino na cidade de Belt; deveria ter sido uma viagem tranquila, se não fosse pelo número excessivo de chuvas, e um deslizamento que nós fez ficar alojados por cinco dias em Newport. Quando finalmente conseguimos seguir viajem, uma das nossas carroças foi completamente esmagada por uma sequóia-gigante; Eduardo, que dirigia a velha carroça de madeira, por sorte conseguiu sair a tempo, mas o mesmo não aconteceu com os pertences de Emma, que agora é obrigada a se conformar com minhas roupas.

Esperando que nossa sorte mudasse, seguimos viajem, evitando nós aproximar de terrenos mais altos, onde as chances de um deslizamento são maiores, infelizmente isso nós levou direto para estradas de terra lamacentas e esburacadas. Não julgo William por estar sem paciência, eu mesma estou, ainda assim, ficar apenas reclamando não ajudará em nada.

— Joana tem razão. — diz Emma. — já deveríamos ter cruzado o rio! 

— Se continuarmos uma das carroças podem acabar quebrando, e vocês sabem que perderíamos muito mais tempo tentando conserta-las. — murmura.

Respiro fundo, ele tem razão. Perder outra carroça nós atrasaria mais, principalmente se for a Judy - apelido carinhoso que demos a carruagem de carvalho escuro, a qual usamos como palco para os nossos espetáculos. - mas não temos outra escolha, realmente estamos atrasados, além de que esperar a chuva passar não adiantaria grande coisa, pois as estradas continuariam lamacentas. Esforço-me a pensar em uma solução, porém nada vem à mente.

—Tem um pequeno vilarejo a mais ou menos duas horas daqui. — murmura Eduardo, que até então ajudava Arthur a desatolar a carroça com nossos mantimentos. — fica um pouco fora de nossa rota, mas não muito.

— E depois? — pergunto. — o que faremos?

— Podemos descansar um pouco, pensar em algo... — responde pensativo. — o vilarejo fica próximo a uma pequena cordilheira de montanhas, talvez possamos cortar caminho...

— Não, arriscado demais. — Arthur junta-se a nós. — vamos até o vilarejo, perguntamos por um caminho menos complicado e seguimos viajem.

Concordo com a cabeça.

— Podemos aproveitar e repor nossos mantimentos. — sugere Agnes.

— Sim, boa ideia filha. Ficamos o suficiente para os cavalos descansarem e partiremos logo em seguida.

Todos concordam. Arthur é como um pai para todos, seja por sua idade mais avançada, ou por ser um líder; o fato é que ele sempre resolve nossas crises, ele sempre faz as escolhas difíceis, e por mais que ninguém admita, é nele em quem todos nós mais confiamos.

Levanto-me, seguindo Emma até nossa carroça. Estávamos sentadas sobre um tronco caído, a baixo de uma árvore com folhas espessas, que protegia-nos das gotas de água gelada que caem do céu. Vamos quase que correndo até a penúltima carroça da nossa caravana, trata-se de um vagão feito de madeira escura, com o teto arredondado e duas janelas consideráveis na lateral, com uma fina lã cobrindo o chão de madeira.

Antes de adentrar a carroça, vejo Eduardo e Agnes conversando no limite da floresta. A chuva leve, porém barulhenta, faz com que sua conversa seja inaudível, mas mesmo as rápidas gotículas de água e o leve nevoeiro que nós cerca, não encobrem suas expressões de preocupação.

— Ei! — Emma chama minha atenção. — vai ficar ai fora mesmo?

Sorrio, e ela faz o mesmo.  Entro e acomodo-me sobre a cama improvisada feita de feno e lã, Agnes deita-se ao meu lado, olhando para o teto.

— Longo dia, né?! — cochicha ao meu lado.

— Ultimamente todos os dias tem sido longos. — respondo-lhe sorrindo.

Nossos dias se baseiam em ir de vilarejo em vilarejo, nunca ficando tempo demais em um só lugar, é nossa vida, não a o que fazer.

— Joana? — sussurra.

— hum?

— Foi em um dia como esse, né? Que te encontraram..

Fico em silêncio. Às vezes, pergunto-me quais circunstâncias levaram a Arthur, Agnes e Eduardo a me encontrarem naquela estrada, desacordada e com sérios machucados. Arthur, Eduardo e até mesmo Agnes já me contaram essa historia centenas de vezes, como eles me acharam e cuidaram de mim durante duas semanas até que eu recobrasse a consciência; disseram-me que eu estava simplesmente ali, jogada no chão lamacento, eles acreditam que eu tenha sido sequestrada por alguma criatura, e os traumas decorrentes a isso causaram minha perda de memória. Até então, as únicas pistas que tenho sobre meu passado são de sonhos confusos e deturpados.

— Hum... Sabe, eu realmente não lembro. — murmuro ironicamente.

Sorrimos juntas.

Não demora muito para estarmos em movimento, à estrada irregular fazendo nossa carroça balançar constantemente. Não preciso conferir, pelo assobiar quase encoberto com o barulho da chuva, eu sei que Eduardo dirige nossa carroça. Arthur, e sua filha Agnes, estão no nosso mais novo investimento, uma beldade de madeira branca, com pequenos detalhes em prata e rodas maiores que o normal, a adquirimos depois que nossa velha carroça foi esmagada; ela é pequena e delicada, não muito recomendada para grandes viagens, mas perfeita para causar um bom impacto em pequenos vilarejos como os que passamos. William está na Judy, que é acoplada a carroça em que estamos. Sua função é vigiar nossa traseira, para evitar que sejamos seguidos por um grupo de bandidos ou atacados por alguma criatura. 

Aconchego-me mais perto de Emma, na tentativa de aplacar o leve frio que sinto.

— Nossa, estou congelando. — ela fala.

— Exagero, nem está tão frio assim. — brinco. — e você também está coberta por toda essa pele. — refiro-me ao manto de pele de raposa que ela usa para encobrir seus ombros.

Ela vira-se em minha direção, sustentando seu corpo com o cotovelo ao se erguer.

— Tem certeza que não é um animal selvagem? Eu posso jurar que...

Ela começa, mas é interrompida pelo som da minha risada escandalosa.

— Tudo bem ai? — Eduardo grita de onde está.

— Ih, não sei não em, acho que ela está ficando maluca. — Emma grita de volta.

Sorrimos escandalosamente juntas. Ela volta a se aconchegar perto de mim, seus cachos volumosos fazendo cocegas em meu nariz,  e assim ficamos durante todo o caminho até o pequeno vilarejo.

SUPREMA ALCATEIAOnde histórias criam vida. Descubra agora