01 - FLORA

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Parada na entrada da cidade e ainda dentro do carro, confiro o nome na placa de boas-vindas com o impresso no relatório que recebi. É aqui mesmo. Uma pequena cidade no interior de Minas Gerais. Que Deus me ajude nessa nova fase, porque nem imagino o que pode acontecer. A partir do momento em que eu cruzar essa linha, minha vida antiga estará morta até segundas ordens.

Espio meu visual no retrovisor, soltando um suspiro de resignação por meu novo cabelo. Vermelho? Sério? Não tenho apego à cor antiga, mas tinham de escolher justo vermelho?

Conforme o carro avança pelas ruas, gravo mentalmente cada pequeno detalhe. Vejo o hospital municipal, que surpreendentemente é grande e tem boa localização na cidade. Há um supermercado, uma lan house, uma farmácia... De repente, me sinto animada. As pessoas na rua parecem amistosas. Eu vou me dar bem, vai dar tudo certo, e em breve estarei estabilizada aqui, em uma cidade com pouco menos de quarenta mil habitantes, diferente da capital metropolitana a qual estou acostumada.

A casa que destinaram a mim fica em um bairro aparentemente calmo, mas que não me dá muitas respostas de imediato. Terei tempo para descobrir que tipo de bairro é. Torço para que não seja violento. A fachada da casa é branca e foi recém-pintada, há duas árvores pequenas na calçada, e para concluir, modernas janelas de vidro. Tem uma grade branca em frente, uma varandinha bonita, onde poderei talvez colocar uma cadeira de balanço e ver a rua por trás das grades. Abro o portão e conheço meu novo lar.

Está arrumado. A primeira sala tem um sofá preto e poltronas floridas que combinam estrategicamente com as almofadas e o tapete. Uma televisão na parede de tijolinhos recebe destaque, me imagino fazendo refeições aqui enquanto vejo alguma série. Abro as cortinas, me certificando que as janelas têm grades e com certeza um bom sistema de alarme. Continuo conhecendo a casa, que é pequena, mas posso fazer com que fique com a minha cara. Por enquanto, está do jeito que eu mesma pedi; gastei do meu bolso para ter meu próprio lar em vez de esperar para ver onde eles me colocariam.

Depois de trazer minhas malas para dentro, arrumar as roupas no armário — o que me roubou a maior parte do tempo — e tomar um banho, caminho até a cozinha, pensando no que vou preparar. Meu celular restrito toca, e eu atendo imediatamente.

Nem titubeio antes de atender. Sei que é a delegada Miriam, afinal só ela tem esse número.

— Miriam.

— Chegou bem? Está tudo em ordem?

— Sim. Cheguei horas atrás, tudo parece tranquilo. — Abro a geladeira, analisando o que posso fazer para o rápido jantar.

— Tancredo te ensinou a ver as imagens da câmera no computador, não é?

— Sim. — Confiro o notebook na mesa de quatro lugares da cozinha. — E me ensinou a ligar o alarme e a mexer na arma.

— Ótimo. Não dê bandeira: você é uma psicóloga infantil até terminar esse período.

— Obrigada, Miriam. — Recostada na pia, encaro minhas unhas recém pintadas de rosa, uma cor que jamais usaria na minha vida antiga. — Estou aliviada depois de tudo...

— Fique bem.

Psicóloga infantil. Mas em que merda eles foram me meter?

Não tenho experiência com criança, nunca nem fui casada ou pensei em ter filhos nos meus rasos relacionamentos. Claro, eles me colocaram em um rápido laboratório de três dias, com duas psicólogas, para que eu entendesse o básico. No entanto, pressinto que o que vai me ajudar a encarar o novo emprego são os vídeos sobre o assunto que insisto em assistir, os filmes com crianças e a novela Chiquititas. Com essa bagagem ridícula e amadora, pego com Deus para que consiga convencer a população dessa cidade do papel que vou desempenhar.

[AMOSTRA] MENTIRAS, BEIJOS E PÃO DE QUEIJOOnde histórias criam vida. Descubra agora