14 - FLORA (Parte 02)

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Eu preciso me concentrar na jogada, nos pés rápidos, nos gritos dos homens em quadra emitindo comandos para os colegas de time. Porém a única coisa que me chama atenção é o cara grande e ágil e extremamente delicioso dentro desse uniforme improvisado. Gaspar é perfeito e brutal ao mesmo tempo. Sabe fazer belos dribles, levando a bola até perto do gol. Seu time tem mais posse de bola por causa dele. Porém, até agora, zero a zero.

Em dado momento, cinco minutos para o fim do primeiro tempo, vejo um deslize e apito, dando uma falta para Gaspar. Eu vejo o momento em que ele tromba com o cara, brigando pela bola, e sua mão agarra a camiseta do outro, puxando-o de leve.

— Oxe! — ele berra e vem igual a um touro na minha direção. — Falta? Tá doida, Flora? Eu nem toquei no cara.

— Tocou, sim, agarrou a camiseta dele. — Mantenho a posição. E ele chega bem perto de mim. Suado e ofegante, me fitando com uma expressão bem puta. Gaspar estava prestes a fazer um gol quando o parei.

— Isso tá errado. Você tá é cega.

Levanto o cartão amarelo para ele.

— O quê? Que diacho pensa que está fazendo? Vai me dar um cartão amarelo por quê?

— Porque está me intimidando.

Ele sorri, nervoso, e abana a cabeça.

— Volte para a quadra, senão o outro cartão será vermelho, e eu te expulso.

— Nuh! Você não entende porra nenhuma de futebol... — Aponta o dedo para mim.

— Ah, o moralista falando palavrão?

— Me aguarde, Flora. — Mais baixo, só para eu escutar, conclui: — Quero ver essa marra no dia do pão de queijo. — Ele se afasta de mim, e vai até Túlio, ele e os outros colegas de time pressionando para que ele revise a jogada, nenhum confiou em mim. E Túlio pausa a partida para rever na câmera, armada no tripé.

— Foi falta mesmo, Gaspar! — Túlio grita. — E mantenho o cartão amarelo pela reclamação acintosa. Vamos voltar.

Vitoriosa, pisco, sorrindo para a fera, que não consegue ocultar a fúria.

Na pausa para o segundo tempo, alguns homens bebem suco, outros se alongam ou conversam entre si.

— Para conhecer uma pessoa, basta lhe dar poder. — Nem preciso me virar para saber que é Gaspar. Eu me viro, encontrando-o na mesa de suco, perto de mim. Ele não me olha, apenas se serve.

— Falou comigo?

— Com quem a carapuça servir, uai.

— Foi falta, cara... mesmo que talvez você não tenha planejado.

— Tudo bem. — Faz uma careta e dá de ombros, com pouca importância — Não vou mais discutir isso. Apesar de você ter me tirado a oportunidade de um gol, já passou.

— Você fez a coisa errada, e eu que tirei...?

— Cê tá certinha. Não vamos mais debater sobre isso. O troco virá de outra forma.

— É uma ameaça?

— Promessa, Flora. — Vira todo o copo de suco na boca. — Eu sempre cumpro minhas promessas.

— Papai. — Micael invade a quadra e corre até Gaspar, e ele pega o menino.

— Ei, pequeno. Torcendo muito para o papai?

— Sim. Você tem que fazer um gol logo.

— Vou fazer. Agora volta para perto da vovó.

Observo ele se afastar e só então respiro fundo. Esse homem ainda acaba com meu juízo. Olho para Gaspar e só consigo pensar em sexo. Que porcaria de mente poluída.

Túlio me convence a continuar com ele no segundo tempo, e eu fico.

Sei que Gaspar está mais focado do que antes, e haja o que houver, ele não vai sair daqui sem um gol.

O clima em quadra é hostil entre os dois times, eles estão furiosos tentando marcar o primeiro gol, e a plateia pressiona ainda mais. Ouço nomes dos jogadores gritados pelos parentes e amigos e sei que isso aumenta ainda mais a pressão sobre eles; do mesmo modo cresce a rivalidade, trazendo, consequentemente, mais diversão. Não é um jogo morno.

Um cara do time de regata preta, usa de extrema agilidade para tomar a bola de um rival, faz um passe espetacular, os de regata branca correm para cima, mas não conseguem impedir. O gol do time adversário ao de Gaspar arranca gritos da plateia e dos caras do mesmo time.

Estou no papel de árbitro e deveria ser imparcial, no entanto me flagro tão apreensiva, que nem presto atenção nas jogadas. Ainda bem que Túlio está na quadra. Subitamente, estou torcendo para o cara que prometeu me dar um troco pela falta que lhe apliquei. Mesmo com a minha mente me censurando, torço para que Gaspar faça o gol. O pessoal da arquibancada até se cala quando faltam apenas cinco minutos. A pressão em cima dos de regata preta é ostensiva, e isso é perigoso, porque deixa o time que está perdendo cada vez mais desesperado.

Gaspar corre na lateral, eu acompanho-o com o olhar e nem percebo que minhas mãos estão fechadas, tensas, os olhos, saltados. Esse gol precisa sair, porra!

Alguém passa a bola para ele, mas ainda está longe da trave. Gaspar é grande e ágil, consegue driblar um, há ainda uns três vindo em sua direção, mas dali mesmo ele dá um chute forte. Prendo a respiração. Um chute certeiro que passa por cima das mãos do goleiro e entra no cantinho do gol balançando a rede. E a plateia vai à loucura.

Rindo feito uma idiota, eu respiro rápido, batendo palmas. Ele corre na quadra de braços abertos, comemorando, e os outros o agarram juntando-se à comemoração. Vejo Valentim e Micael berrando, exaltados, e Gaspar não esquece dos dois, fazendo coraçãozinho com a mão para os filhos.

O jogo termina um a um, o que leva a uma disputa de pênaltis para desempatar. Não tem grande tensão, pois o time da regata branca mantém sempre um gol à frente, porque além de não desperdiçarem cobranças, o goleiro não fez nenhuma defesa.

Observo com satisfação a comemoração do time vencedor, apesar do clima geral ser de festa para todos. Alguns arrancam a camiseta, mas nenhum me interessa, apenas o paizão xucro que anda em direção aos filhos com a camiseta jogada no ombro. Ainda bem que não sou apenas eu que está mexida com a beleza dele, a cunhadinha de Gaspar o observa sem cerimônia, nem despista, enquanto ele conversa com os meninos.

Os jogadores vão para o vestiário se trocar e depois cada qual se reúne com a família e amigos. E não tenho mais oportunidade de falar com Gaspar.

— Debora, estou indo.

— Já?

— Sim. Preciso de um banho e me deitar um pouco. Minhas pernas estão me matando.

— Então tudo bem, até amanhã, querida.

Saio de fininho, sem ser notada, e, feliz pela tarde, vou embora sozinha. Fazia tempo que eu não me divertia tanto.

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Bjs pessoal! Até quarta!

[AMOSTRA] MENTIRAS, BEIJOS E PÃO DE QUEIJOOnde histórias criam vida. Descubra agora