Quatro dias se passaram desde que cheguei e enfim posso respirar tranquilamente. Está tudo saindo conforme planejado. Lidar com as crianças é tranquilo, tenho sessões com alguns alunos, continuo a observar Valentim e Micael e algumas outras crianças e não tive mais notícias de Gaspar desde o incidente em minha casa. A ameaça foi neutralizada.
Acho que ele está envergonhado, e eu não ligo se causei esse sentimento com minha história falsa. O importante é que ele saiu do meu caminho.
Hoje estou animada, farei a primeira reunião no clubinho de leitura. Consegui juntar oito crianças da idade de Valentim. Ele não sabe que tudo gira em torno dele, e foi difícil convencê-lo a participar. Acho que o fato de eu ter me descuidado com a lista de integrantes, para que ele pudesse saber que a Marina estaria presente, ajudou muito na decisão dele.
Desço do carro no estacionamento, caminho rápido em direção ao portão e trombo em alguém que vem na direção oposta. Mãos enormes seguram meus ombros, sustentando meu corpo. Quando olho para cima, dou de cara com a expressão surpresa de Gaspar. Seus olhos azuis vorazes parecem mais claros e menos inofensivos.
— Dona Flora. Bão dia. — Solta meus ombros e se afasta um passo.
— Ah... bom dia, Gaspar. — Meu coração salta sem explicação. Rever esse homem de repente faz meu corpo se manifestar estranhamente. Ajeito algumas mechas de cabelo atrás da orelha. — Veio deixar o Micael?
— Sim. É pequenininho, gosto de levar até o portão.
— Faz certo. — Sorrio, simpática, mas desconfortável; sou só eu que estou sentindo essa tensão louca? — Ah... o clubinho do Valentim começa hoje... quer dizer, a primeira reunião.
— O sapeca não me disse nada. Torço para que dê certo.
— Vai dar, sim. Preciso ir agora.
— Até qualquer hora. — Acena para mim e caminha rápido em direção à caminhonete. Sopro, tentando diminuir a temperatura do meu corpo. Gaspar me faz ferver com um olhar. Empertigo o corpo e entro na escola.
A primeira reunião do clubinho acontecerá durante o intervalo, para que as crianças não percam aula. E como hoje é só a introdução, será rápido. Depois, funcionará como aula extracurricular, penso em marcar no contraturno, para que possam se conhecer e interagir entre si. A motivação principal desse clube é possibilitar que Valentim tenha interações com outras crianças.
Às nove em ponto estou na biblioteca esperando os alunos convidados. Eu fiz parecer algo bem exclusivo, para que pudesse convencê-los. Até convite em cartolina branca eu montei.
Marina e a amiga são as primeiras a chegar. Sentam-se nas cadeiras no círculo que fiz no meio da biblioteca. Em seguida, chegam mais alguns meninos, outras meninas que entram desconfiadas, mas sorriem ao ver que a turma já está quase completa. Por fim, vem ele, o principal. Jeito arisco, incerto, decidindo se vai se aproximar ou não. Por sorte, estou na porta e o recebo.
— Oi, Valentim. Que bom que veio. — Levo-o para dentro e observo todas as outras crianças pararem de falar ao vê-lo entrar.
Elas ficam encarando o menino como se ele fosse um bicho, e eu imagino que a surpresa dos outros se dá pelo fato de ele ser filho de um homem famoso na cidade e se portar de forma fechada.
De cabeça baixa, ele toma a última cadeira que sobra.
— Bom dia, meninos e meninas. — Sento em minha cadeira. — Eu escolhi vocês a dedo com base na ficha da biblioteca. Ler é a janela para o mundo, em um livro, assim como na internet, você pode viajar para lugares inimagináveis sem sair de casa. Eu vou me apresentar e vocês farão o mesmo. Olhem bem para cada rosto dessa roda, eles serão seus companheiros nos próximos meses.
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[AMOSTRA] MENTIRAS, BEIJOS E PÃO DE QUEIJO
RomanceQuem é a mulher misteriosa que acaba de chegar a Estiva Alegre, uma pequena cidade mineira? Tudo que se sabe é que se chama Flora, dirige um pequeno automóvel vermelho e vai ocupar o cargo de psicóloga infantil de uma escola particular. No entanto...