2 - FLORA

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— Flora Lyra. — A diretora, uma mulher com idade entre os cinquenta ou sessenta, se levanta e estende a mão para mim quando entro na sala fria demais por causa do ar-condicionado. Não parece chateada ou irritada pelo meu atraso de dez minutos. — Sou a diretora Debora. — Ela indica a placa na porta onde se lê: "Debora Luzia, Diretora".

— Recebi um memorando sobre você. Sente-se, Flora.

Eu me sento diante da mesa dela, pronta para responder tudo que me perguntar. Ensaiei meticulosamente.

— É um prazer conhecê-la, senhora — digo.

— Primeiramente seja bem-vinda à cidade. Veio para cá apenas por causa desse trabalho?

— Não estamos em tempos de recusar, não é? Acabei de concluir uma pós-graduação, e quando a superintendência me disse que tinha essa vaga, não hesitei. Adoro crianças. — Faço um gesto ensaiado combinando com o sorriso à la Xuxa, rainha dos baixinhos.

— Não está muito longe de sua cidade natal. — Ela olha a pasta. — Belo Horizonte é um pulo.

Não acredito que Miriam colocou que sou de Belo Horizonte. Mas também não podia dizer que sou de São Paulo.

Rio e assinto com a cabeça, confirmando. Precisa anotar isso para lembrar depois. E preciso pesquisar sobre Belo Horizonte.

Ela tira os óculos de leitura, deixando-os pendurados por uma correntinha no pescoço.

— Bom, aqui diz que você vai trabalhar com crianças de todas as idades. Quer pegar as turmas de adolescentes também?

Poxa, adolescentes serão mais difíceis de enrolar, já que eu não sei nada e provavelmente eles vão perceber.

— Eu prefiro crianças até os dez anos. Mas se não tiver outro jeito, estarei disponível para quem precisar.

— Perfeito. Eu vou te passar alguns nomes que precisam de acompanhamento mais profissional e com mais urgência. — Ela se levanta, abre um armário de arquivo, procura uma ficha e traz para mim.

— Eu quero que você comece com Valentim Donovan.

A foto mostra um bonito menino, olhos azuis, cabelos castanhos e olhar inocente. Analiso as informações na ficha.

Onze anos. Rebelde. Violento. Isolado.

Mãe: Emanuelle Costa Donovan.

Pai: João Gaspar Donovan.

Certo. Posso dar uns bons sermões nesse mocinho.

— Algum motivo para o isolamento e a violência? — Recorro aos seus olhos.

— Você está aqui para isso. Tudo indica que ele sente falta da mãe, mas ainda não está claro. Você poderia descobrir. Valentim não se abre com ninguém, espero que você consiga.

Pais que trabalham demais ou são negligentes com as crianças. Sei muito bem o que é isso. Suspiro, interrompendo minha mente de me levar à minha infância quando eu sobrevivia com uma bêbada que me usava para benefício próprio.

— Você vai observá-lo. E caso ache que ele precise de algumas sessões, é necessário entrar em contato com o pai e pedir autorização.

— Tudo bem. Vou observá-lo no intervalo.

— Perfeito. — Ficamos de pé ao mesmo tempo, e ela aperta minha mão. — Qualquer informação que precisar a respeito do estudante, você pode ver na ficha ou conversar com a orientadora. Seja bem-vinda, doutora Flora.

[AMOSTRA] MENTIRAS, BEIJOS E PÃO DE QUEIJOOnde histórias criam vida. Descubra agora