— E então, comeu o pão de queijo? — Gaspar pergunta. Sua proximidade na poltrona ao lado me incomoda terrivelmente. Porque a atração sobre mim é palpável. Meu coração está a todo instante acelerado.
— Ah... sim. Eu consegui comprar na padaria.
— Em qual padaria? Nem todo mineiro sabe fazer bom pão de queijo.
— Esse era bom, te garanto. — Tento me concentrar no filme, mesmo não tendo um pingo de interesse.
— Não comeu outro para comparar.
— Melhor que o de São Paulo.
— Qualquer um seria melhor do que o de São Paulo. Por que não vem à minha casa, posso fazer...?
— Não — antecipo.
— Uai, malcriada! Nem me esperou terminar de falar.
— Sim, e a resposta é não. — Verifico se todas as crianças estão concentradas assistindo, e encaro Gaspar, com o rosto iluminado pela claridade da tela. — Eu não piso mais na sua casa, foi ridículo o que fizemos e não vou dar mais brecha. — Estou quase revoltada e partindo para cima dele de maneira ácida. E talvez a revolta maior seja comigo mesma, por ter vindo focada para essa cidade e ter caído no primeiro obstáculo.
— Tudo bem. Eu aceito a desfeita. Sem convite para comer pão de queijo.
Eu estou chocada que Gaspar simplesmente colocou uma venda nos olhos e não consegue enxergar que nós dois não podemos fazer isso. Eu cuido dos filhos dele e nem sou a porra de uma psicóloga. Eu guardo segredos, sou uma usurpadora mentirosa nessa cidade.
— Você não consegue ver...?
— Eu consigo ver, sim. — Gaspar inclina-se para cima de mim, cochichando com a voz rude. — Eu sei que não é de bom tom transar com a funcionária da escola dos meus filhos. Eu não sou um moleque idiota.
— Então por...?
— Mas eu também sei que posso foder sem precisar entrar em um relacionamento. Eu estou há quatro anos sozinho porque quero. Não desejo namoro e nem casamento. Se você deseja algo sério, então é melhor mesmo a gente nem inventar esse rolo, porque eu não posso te dar mais do que orgasmos.
— Seu... grosseiro.
— Ah, pronto! Agora me xinga.
— Nunca existiu rolo e nem vai existir. Pelo menos não com o senhor.
— Sou senhor agora? Depois de ter mordido meu pescoço?
— Vá se foder.
— Olha a boca. Tem criança no recinto.
— Vá. Se. foder! — Eu me levanto rápido, mas em vez de ir para uma poltrona perto das crianças, corro, descendo a rampa e saio da sala. Preciso de espaço e tempo para respirar, para resgatar a racionalidade. Por que diabos esse homem me tira tanto do sério?
Apoiada na pia, de cabeça baixa, respiro rapidamente. Em seguida, levanto os olhos, me encarando no espelho, e vejo, para meu espanto, a porta abrir e Gaspar entrar feito um touro. Ele nem diz nada, nem tenho tempo de reagir, apenas me puxa com ferocidade, me joga contra a parede e abocanha meus lábios sem piedade.
Seu beijo cruel é gostoso demais e desarma qualquer força de combate que eu pudesse ter. Ele consegue me prender facilmente com seu corpão, uma mão na minha cintura e a outra cobrindo a lateral do meu rosto. E eu só consigo sentir o gosto bom da derrota.
Seguro na sua nuca e retribuo o beijo, me xingando por dentro, mas feliz por estar provando mais uma vez da melhor boca que já existiu. Toda a virilidade do homem bruto com gosto de manteiga da pipoca.
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[AMOSTRA] MENTIRAS, BEIJOS E PÃO DE QUEIJO
RomanceQuem é a mulher misteriosa que acaba de chegar a Estiva Alegre, uma pequena cidade mineira? Tudo que se sabe é que se chama Flora, dirige um pequeno automóvel vermelho e vai ocupar o cargo de psicóloga infantil de uma escola particular. No entanto...