CAPITULO 24

1.6K 64 26
                                    

CAPITULO 24

 - Bem, obrigada por perguntar. – ele limpou a garganta, e, sem rodeios, mudou de assunto com a facilidade que quis. – Pode falar no assunto “mãe”, você é a mãe oficial da Laura? Digo, na certidão de nascimento?

Any ficou tensa. Não, não era. Quando ela conheceu Lucas, Laura já era nascida e registrada. O nome de Amanda foi necessário na certidão de nascimento por questões legais, embora somente o sobrenome “Veronelli” constasse no nome da filha. Como Lucas tinha a guarda da filha e eles eram casados, nunca pensaram na possibilidade de Anahí adotar Laura oficialmente – nunca passara pela cabeça de ninguém que o jovem marido morreria tragicamente num acidente, é claro. A situação de Laura não poderia ser mais irregular e desesperadora para Any.

- Na verdade, não – suspirando, ela confessou, envergonhada. – não queríamos mexer com quem aparentemente estava quieta. Entrar com uma ação para adotar Laura seria confrontar Amanda, entende? – Poncho ouvia, atento, enquanto Any se explicava. – Fazê-la ressurgir em um lugar onde, para Laura, essa mulher nunca esteve. Então deixamos como estava. O Veronelli no meu sobrenome de casada ajudou para que Laurinha não desconfiasse de nada. Sei que erramos, mas só estávamos tentando protege-la. Lucas, especialmente... Ele tinha verdadeiro pavor de que essa mulher reclamasse direitos sobre nossa filha.

- Não tiro a razão dele. – Poncho assentiu, compreendendo. – Você chegou a dizer que ela era prostituta de luxo, certo? – Any assentiu. – Se assim é, ela não está sozinha. Sempre há pessoas por trás desse tipo de serviço “grande”. Posso imaginar o tipo de gente que está por trás da mãe de Laura... Gente perigosa.

Coisa que Any já desconfiava, mas ouvir isso em voz alta fê-la sentir arrepios pelo corpo. Era principalmente desse tipo de gente que Lucas tinha medo, e Any tinha razões para temer também. Mas agora não haviam muitas saídas, e ela sabia disso. Precisa ter direitos legais sobre Laura, como qualquer mãe. Passado um ano desde aquele acidente, o luto precisava se dissipar, Any e Laura precisam continuar a vida...

 - Você já tem advogados? – Poncho perguntou, tirando Any de seu devaneio. Ela ergueu os olhos para ele, e estes estavam carregados de angústia. Um sentimento que despertou nele próprio um incômodo.

- Não exatamente. Tenho o advogado que cuidou da papelada do seguro de vida do Lucas, mas... – Poncho não a deixou terminar.

- Eu conheço um ótimo escritório, super conceituado e premiado. Com licença. – Poncho levantou-se da mesa, e foi em direção ao balcão da sala, onde seu celular se encontrava. Digitou algumas informações ali, rapidamente, e então o celular de Anahí apitou. – Acabei de te mandar o contato do escritório que presta serviços a mim e a HC. Christopher vai ter prazer em ajudar você.

Any ficou genuinamente surpresa com a atitude de Poncho, e não conseguiu evitar um sorriso. Embora parte de si achasse bastante irritante, que ele se colocasse em posição de resolver todos os problemas do mundo, outra parte dela sentiu-se enternecida pela preocupação dele. Pela maneira como ele bebia suas palavras, quando ela falava de Laura; por como se mostrou preocupado. É claro que ela ainda mantinha os dois pés atrás com relação a Alfonso Herrera – não confiava nele nem mesmo o mínimo -, mas estava grata por ele ter lhe dado um “norte”. A Uckermann Monteiro Ferraz Advogados Associados era um escritório reconhecido no mercado, e não lhe custaria nada procurar um advogado indicado por Poncho, ela ponderou.  

- Obrigada. Vai ser útil. – ele apenas sorriu e voltou para a mesa, mas não comeu mais nada. A cabeça processava informações rápido demais para se concentrar, e além do mais, aquela porcaria de gesso não o deixava fazer nada sem parecer uma criança destrambelhada. Já foram muitos constrangimentos na frente de Anahí por um dia só. Ela, por sua vez, continuou: - E obrigada pelo jantar, Poncho. Estava tudo muito bom. Você realmente se tornou um homem refinado.

Ele sorriu de canto.

- Não há de quê. Vou levar os seus cumprimentos ao restaurante que nos cedeu esse refinado jantar. – ele respondeu, brincando. Anahí mais uma vez viu-se desarmada e não pode deixar de rir. Ele tinha uma resposta pra tudo sempre. – E também a dona Adelaide. Aliás, tenho certeza de que ela está por isso ciente de seus agradecimentos. Algumas dessas paredes têm câmeras, mas principalmente ouvidos.

- Não fale assim. Eu tenho certeza absoluta de que você não estaria sobrevivendo, sem o auxilio dela. Não é capaz disso. Seu miojo fica pronto em 15 minutos, Alfonso.

- Sou capaz de muitas coisas. – ele disse, sem pestanejar, com o olhar grudado ao de Anahí, bombardeando-a com significados ocultos. - Mas de sobreviver sozinho certamente não.

- Então temos uma confissão do imperador Alfonso Herrera sobre isso? – Any ergueu os braços e franziu as sobrancelhas, o ar do riso vivo em seu rosto.

- Mas ainda sou bom em lavar a louça. É algo que faço pra desestressar. – ele confessou, servindo-se de mais vinho. Anahí rejeitou a oferta de mais bebida, mas estava em interessada no que ele dizia. Antigamente, lavar a louça era a tarefa doméstica preferida dele e ela odiava com todas as forças. – Tenho uma máquina de lavar louças super potente, de última geração, mas quando estou em casa sozinho, eu mesmo lavo.

Anahí não conseguiu deixar de zombar daquilo. Entendia muito bem que, na posição dele, lavar a louça não precisava ser (e nem era) uma tarefa muito recorrente, portando entendia o “orgulho” que ele sentia de si mesmo por aquilo. Mas, de certa forma, aquilo pareceu cômico para ela – talvez porque ela o conhecesse há muitos anos, numa época em que máquinas de lavar louça não eram da alçada nenhum dos dois, e porque serviços domésticos eram naturais como respirar. Provavelmente foi a primeira vez naquela noite – apesar do apartamento e da comida caros, e de tudo parecer extremamente refinado e chique – que ela percebeu o distanciamento do nível social dos dois. Alfonso pensava como um cara rico que não precisava perder tempo com coisas banais. Ela já era a personificação do dia-a-dia, da jornada dupla, às vezes tripla.

 O ex namorado ostentava ainda a mesma beleza e a mesma sagacidade de sempre, e haviam mais indícios do Poncho garoto ali, mas ele era agora alguém maior do que foi antes. E gostava de deixar aquilo bem claro.

 - Ual, Alfonso! – ela fez uma cara de surpresa, os grandes olhos azuis arregalados. – Espero que você tenha descoberto que a mão não cai!

- Há, há, há. – ele tomou mais vinho, e Anahí percebeu que ele sorria entre o gole. Além do mais, os olhos de Poncho brilhavam de divertimento e malícia. – Muito engraçadinha, Any. Muito engraçadinha.

 O fim da noite se aproximou mais depressa do que eles gostariam. Ainda foram para a espaçosa varanda do apartamento e conversaram sobre mais mil banalidades, sobre Laura e sobre suas profissões. Any falou sobre o projeto de escrever um livro de ficção-fantasia do qual Poncho adorou e se empolgou com o enredo, e ele, por sua vez, contou um pouco de sua jornada até se tornar o que era atualmente. Any ficara impressionada com o relato sobre a árdua caminhada: desde dormir nas garagens alheias para hackear programas, a fazer apostas em Las Vegas para conseguir o capital necessário para começar. Ele não parou de se sentir admirado e orgulhoso desde que ela dissera que havia ganhado um importante Prêmio Científico por uma matéria sobre Autismo, e que ela havia concorrido com um cientista importante da área.  Mas nenhuma palavra foi dada sobre o beijo ou sobre os dois.

Por fim, se despediram com um abraço longo demais, o que Any atribuiu à quantidade de álcool em seus sangues. Ele próprio pediu o táxi para ela (não sem antes insistir para que ela dormisse ali, no quarto de hospedes), e acompanhou-a até a porta deste, “dando ordens” expressas ao motorista para que a levasse em segurança para a casa. Quando por fim chegou, jogando os sapatos para longe e se esparramando no sofá, suspirou e não conseguiu esconder um sorriso. Dois minutos depois, uma mensagem chegou ao celular:

 Espero que tenha chegado bem em casa.

Obrigado pela chance de hoje.

Durma bem,

A.H.

Ps: talvez você fique contrariada ao saber que estava rastreando seu táxi por GPS e sabia quando chegaria em casa. Não existem coincidências.

Still Into YouOnde histórias criam vida. Descubra agora