CAPITULO 27

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CAPITULO 27

 

Poncho jurava que estava concentrado em todos aqueles dados e números de desempenho que lhe eram expostos pelo diretor do museu, mas o braço ainda doía e incomodava. Além do mais, o movimento de crianças do lado de fora, indo e voltando, correndo, brincando e se surpreendendo com as novas descobertas tecnológicas, fazia com que Poncho volta e meia olhasse para o lado de fora. Surpreendia-se por sorrisos escaparem de seus lábios ao ver toda aquela alegria infantil, mesmo que de esguelha. A certa altura, ele já não ouvia mais nenhuma estimativa e não prestava mais atenção em nenhum gráfico.

- Claúdio. – Poncho chamou o diretor. – Eu, particularmente, acho que não existe forma melhor de estimar os nossos bons resultados do que observando o que fazemos na prática. Quando alguém utiliza um serviço da H.C, gosto de ver que esse serviço melhorou a vida de alguém de verdade. 

Poncho caminhou em direção a janela do escritório e olhou através dela, dessa vez prestando mais atenção. Todas aquelas crianças pareciam estar munidas de uma nova energia, uma nova maneira de ver o mundo, enquanto olhavam vidradas para as projeções nas paredes. Mas então algo chamou então de Alfonso... Cabelo castanho, indiscutivelmente liso na raiz e incrivelmente encaracolado nas pontas; bochechas fofinhas, coradas e cheias de covinhas; e aqueles olhinhos azuis. Já havia visto aquela garotinha de quase cinco anos antes. Poncho sorriu abertamente dessa vez.

- Laura. – ele sussurrou. E então, virando-se para o diretor, disse: - Cláudio, se importaria se eu fosse lá embaixo, com as crianças? Elas parecem ter muito a me dizer sobre o museu.

O diretor, que não tinha como negar nada ao seu Patrocinador, apenas assentiu com um sorriso amarelo, largando os gráficos de lado. Alfonso se retirou da sala sem nem ao menos se despedir: a classe o impedia de sair correndo pelos corredores de um museu atrás de uma menininha – as pessoas poderiam pensar que ele era um sequestrador, pedófilo, coisas do tipo – mas foi o mais rápido que conseguiu. Era como se o subconsciente de Poncho estivesse grato por ver Laura ali, bem e saudável – e, por mais absurdo que fosse, diante de seus olhos, para que ele próprio pudesse confirmar.

A filhinha de Anahi estava com os olhos completamente vidrados em uma apresentação quase holográfica nas paredes. Laurinha acompanhava com cuidado cada pequeno acontecimento. Poncho reconheceu ali mais uma característica de Any: a perícia e o cuidado ao olhar as coisas, como se quisesse desvendá-las. Era como se quisessem ir até o fim, até o último grão, até a última mísera peça. Ele não pôde deixar de ficar um tanto quanto assustado: 1) Laura não tinha nem 5 anos. 2) Não havia como ninguém, absolutamente ninguém, duvidar que Any e Laura eram mãe e filha. Saber a verdade só o confundia mais sobre como a vida tinha dessas coisas engraçadas e dolorosas.

Se aproximou devagar. As mãos estavam, como de costume, enterradas no bolso da calça social. Laurinha mantinha os olhinhos concentrados, inexpugnáveis, nas imagens desconexas de uma explosão acontecendo no universo.

- Você não tem medo disso? – ele disse, baixinho. – De todos essas explosões?

Laurinha primeiro olhou para os lados, e só então ergueu os olhar, e tudo isso foi seguido por um sorriso enorme e acolhedor, apesar de ainda meio banguela. O reconheceu de imediato: não era aquele o amigo legal da mamãe, o que viram outro dia no parque? Será que mamãe brigaria com ela se falasse com ele?

- Acho bini... bonito. – Laura respondeu, olhando para Poncho, mas então imediatamente abaixou o olhar, encabulada. – Você é o amigo da mamãe, não é?

- Sim, sou... amigo... da mamãe. O meu nome é Poncho, lembra? – Poncho sorriu quando Laura assentiu, se aproximando da pequena. Agachou-se em frente a ela, e olhou novamente as explosões. – Eu também acho bonito. Fascinante.

- Fasci... O que? – ela franziu as sobrancelhas.

- Fascinante. É quando alguma coisa nos deixa meio hipnotizados. Você sabe o que é estar hipnotizado, Laurinha?

Laura pareceu pensar, franzindo as sobrancelhas, e então o rosto se iluminou quando a resposta pareceu chegar a ela. Assentiu rapidamente, e Poncho notou como os olhinhos azuis brilharam.

- O universo me deixa meio hipnotizado. A você não? – ele encarava Laura enquanto a pequena redirecionava seu olhar, mais uma vez, para as explosões na tela.

- Mamãe gosta do universo também. Ela sempre diz que, se for pra alguma coisa acontecer, o universo vai conspirar. Igual quando eu queria um quadro de pintar, no natal do ano passado. E ela disse que, se eu quisesse muito mesmo um quadro de pintar, tinha que pedir ao universo de coração.

Poncho riu. Anahi e suas crenças malucas...

- Bom, Laurinha, o universo atendeu o seu pedido?

- É lógico, Poncho! Se você quer muito uma coisa, tem que fechar os olhos e o universo vai conspirar.

- E o que você desenhou no seu quadro?

- Bem... eu ainda não desenhei. – de repente, a menina ficou pensativa e cabisbaixa. – Preciso pensar.

Quando Alfonso ia responder Laura, foi interrompido por uma figura baixinha, de óculos enormes, sorriso delicado e um olhar penetrante em frente aos dois. No crachá estava escrito: professora Fernanda. Ele levantou para cumprimentar a mulher, que continuava encarando-o como se quisesse dissecá-lo em uma de suas aulas de ciências. Então ela desviou o olhar dele e chamou pela atenção de Laura:

- Laurinha, meu amor, vamos ali visitar aquele outro lado?

- Prô, tá legal aqui com o Poncho. Estamos vendo as explosões do universo.

- Sim, querida, mas você precisa ir visitar o outro lado antes que o passeio acabe. O que acha? O... Poncho... entenderá, eu tenho certeza.

- Tudo bem, então. – Laura concordou, derrotada. – Tchau, Poncho! - acenando, Laura saiu correndo para onde seus coleguinhas estavam, deixando um Alfonso desolado para trás. A pequena tinha sido a melhor companhia de seu dia.

O empresário voltou seu olhar para a professora:

- Olá. Você é a professora da Laura? Fernanda, certo?

- Olá. Sim, sou eu. O senhor é...?

- Alfonso Herrera. Sou o patrocinador do museu.

- E amigo de nossa Laura, pelo visto? O senhor conhece a mãe dela?

- Anahi? – Poncho esboçou um sorriso de canto de boca. Então Any havia deixado todos em alerta? Por que isso não o surpreendia? – Digamos que de muitos carnavais. A senhorita pareceu bem transtornada de me ver aqui. Há algum problema?

- Não tenho autorização para deixar nenhum estranho se aproximar de nenhum dos meus alunos, e Anahi é bem criteriosa quanto a isso.

- Imagino que seja. Eu a conheço bem... – e como! -  Mas não acho que a senhorita deva se preocupar tanto. Eu me equivoquei em não ter me apresentado antes, de qualquer maneira.

- Bom, então eu imagino que não exista problema nenhum se Any ficar ciente deste encontro, não é mesmo?

- Absolutamente nenhum, professora. – Poncho sorriu. – Faço questão que ela saiba.

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