Capitulo 5

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CAPITULO 5 

Lucas estava feliz. Inteiramente feliz. Passara o dia longe da mulher e da filha, em meio a reuniões e mais reuniões, assinando termos de responsabilidade, visitando espaços de obra, esboçando aquele que seria seu mais ambicioso projeto na cabeça. Firmando um contrato milionário. Mas estava sentindo-se feliz e realizado. A viagem havia durado mais tempo do que ele previra, obrigando-o a ficar lá até tarde da noite, mas isso resultou em muitos problemas já resolvidos. Agora, dirigia como se sua vida dependesse daquilo: queria chegar logo em casa, deparar-se com o olhar orgulhoso de Anahí, beijando-lhe docemente, e Laura correndo para os seus braços, matando a saudades que sentia. Com certeza, Anahí estava possessa: falara com ela ao telefone apenas à tarde, e desde então, trocaram só algumas mensagens de texto. Ele ainda não havia dado a notícia. E queria fazer isso logo.

Mas precisava ser prudente. A chuva, que começara modestamente poucos minutos antes, agora engrossava significantemente. Ele pouco enxergava, mas ainda conseguia dirigir bem, guiando-se pelas luzes. É verdade que poderia ter ficado na cidadezinha aquela noite, mas não queria nem pensar em como Any ficaria magoada com aquilo: ele prometera voltar para casa naquele mesmo dia. Ele não resistiu, pegou o celular no banco do passageiro e procurou o número da esposa, com todo cuidado e prestando atenção também na estrada. Na maioria de seu caminho, a estrada estava livre. O número de Anahí estava na discagem rápida, mas ali não tinha sinal. Ele praguejou. Lucas diminuiu a velocidade, censurando-se por estar tão rápido e querer falar ao telefone. Mas Anahí ficaria tão feliz, tão orgulhosa! Ele não só conseguira o projeto, mas como também arrumara sócios para a sua própria empresa de arquitetura! Ele jamais precisaria entrar e bagunçar todo o escritório dela novamente! Any ficaria feliz com isso. Lucas sorriu. Laura teria o melhor ensino que pudesse oferecer, ela conheceria a Disney. Ele lembrou-se de passar em uma loja de brinquedos quando chegasse a cidade: fazia tempo que ela queria uma boneca caríssima. Anahí xingaria, mas ele podia dar-se ao luxo de presentear a filha com uma.

Ele se preparava para mudar de faixa quando aconteceu. Uma luz fortíssima apareceu atrás de si, uma luz que antes era apenas um ponto perdido na escuridão em sua traseira, mas era uma luz que avançava. Não estavam na mesma faixa. A luz mal sabia para onde ir, ziguezagueava freneticamente na pista. Lucas franziu o cenho: tinha alguém chapado de rebite atrás dele. O coração começou a bater como um louco no peito. Acelerou uma vez, trocando de faixa, mas pareceu em vão: o caminhão (com certeza, era um caminhão), continuava a correr, cheio de si, querendo grudar-se ao seu Corola. Uma curva acentuada e perigosa estava a poucos metros agora, eles a alcançariam em questão de segundos. Trocar de faixa era impossível: os pneus estavam instáveis, o parabrisas passou a receber mais água do que podia conter, os limpadores lutavam freneticamente para espantar a água. Lucas estava em um impasse entre correr mais e perder o controle ou tentar trocar de faixa, e, se Deus o ajudasse, por pouco não cairia barranco a baixo.

Meu Deus, não... Eu tenho uma família... Tenho uma filha para cuidar...

Mas antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, uma buzina altíssima foi ouvida. O motorista parecia ter finalmente percebido o que estava prestes a fazer, mas seus sentidos não estavam 100%. A primeira – e mais insensata – reação dele fora virar o volante com tudo, tentando desviar-se no pequeno carro indefeso a sua frente, mas o contrário infelizmente aconteceu. Lucas olhou pelo retrovisor pela última vez antes de fechar os olhos e sentir todo impacto do eixo gigante do caminhão chocar-se contra seu carro, arrastando-o quilômetros e mais quilômetros a frente, rodopiando o carro dezenas de vezes, amassando-o contra o asfalto enquanto rumava para o precipício, impedindo Lucas de sentir a dor de tantos ossos quebrados com o choque. Tudo ocorreu em questões de segundos. A face já estava coberta de lágrimas e sangue, quando a imagem de Anahí e Laura apareceu em sua mente e depois apagou... Para sempre.

- x - 

- Seu irmão só pode estar me provocando, Dulce! – Any disse, com o telefone grudado na orelha, tentando pela 245ª vez ligar para o marido. Passava da meia noite e Lucas não havia se dado o trabalho de ligar para avisar onde estava!

- Calma, Any, daqui a pouco ele liga. Lucas não é de não avisar onde está.

- Exatamente! – ela respondeu, os olhos azuis mais aflitos do que nunca, já marejados. Sentia um aperto no peito que a incomodava, uma dorzinha aguda que não a deixava em paz. – Ele não é de não avisar. E olha que horas são! Já devia ter chegado a tempos.

- Ele pode ter passado em algum lugar antes de ir para casa, Any. – Mai tentou acalmá-la, passando suas mãos ao redor dos ombros da amiga. Laura estava no quarto de Maite, brincando com Vinicius. As mulheres tentavam falar o mais baixo possível. – Mesmo nessa chuva. Você sabe que é algo que o Lucas faria.

- Eu sei! – ela suspirou pesadamente, enquanto a ligação ia para a caixa postal, mais uma vez. – Vou trucidá-lo! 

Desistindo, Anahí colocou o celular na mesa de centro. Dulce não queria dizer a amiga, mas também estava apreensiva, com medo do que poderia ter acontecido: conhecia o irmão bem demais, sabia que Lucas avisaria onde estava, que jamais seria tão irresponsável de deixar todos tão preocupados, em especial Anahí, que sempre ficava uma pilha de nervos. Maite, por sua vez, tentava não imaginar besteira, ser a mais controlada ali. O desaparecido em questão era de esposo de uma de suas melhores amigas e irmão da outra. Koko apareceu repentinamente na sala, trazendo uma xícara de café quente para Anahí. Ela agradeceu, mas antes que pudesse colocá-la na boca, o celular tocou.

Finalmente!

- Alô? – Any não se dera ao trabalho de olhar quem era, mas já estava pronta para xingar o marido até sua ultima geração!

- Senhora Anahí Portilla Veronelli? – uma voz masculina soou do outro lado da linha. Mas não era a de Lucas. Ela franziu a sobrancelha.

- Sim, é ela. Quem gostaria?

- Aqui é da Bandeirantes. A senhora conhece Lucas Veronelli?

Anahí deixou a xícara cair no chão. Empalideceu. A mente congelou, o coração doeu profundamente no peito. Não, meu Deus...

- É meu marido. – a voz saiu como um fio. – O que aconteceu?

- Eu sinto muito, senhora Anahí. – o homem hesitou. – Seu marido sofreu um grave acidente na estrada esta noite. Encontramos seu número nas coisas dele – ou no que sobrou das coisas dele, o homem pensou.

- Como ele está? – encontrou forças para dizer.

- Infelizmente, seu marido faleceu, senhora Anahí. Um caminhão colidiu drasticamente com o carro dele. Está chovendo muito. Não pudemos fazer nada, ele faleceu na hora. Eu sinto muito.

O celular caiu da mão dela. Any não sabia o que pensar. Não sabia onde estava. Duvidava que existisse uma só partezinha de seu corpo que estivesse isenta a dor que sentia agora. Lágrimas brotavam de seus olhos, a visão pareceu turva, o corpo amoleceu de um instante para o outro. Respirava com dificuldade. A última coisa que Anahí viu foi uma movimentação afobada na sala. Dulce agachou para pegar seu celular, mas ela não ouvia o que a amiga estava dizendo. Laura apareceu na porta da sala, estática, uma expressão de choque em seu rosto (“por que mamãe está caindo?”). Sabia que ia colidir com o chão. Mas Lucas não estava mais lá... Lucas estava morto... Lucas havia morrido... Koko estava correndo em sua direção junto com Maite. Anahí acabara de mergulhar em um poço escuro onde a única coisa que existia era dor.

FIM DA PRIMEIRA FASE 

Still Into YouOnde histórias criam vida. Descubra agora