Ícaro
Virei a garrafa na minha boca e senti o líquido descer queimando pela minha garganta. As vezes tudo que você precisa para esquecer os problemas é uma garrafa da bebida mais forte que existe. Você bebe e seu corpo fica tão leve, que você consegue esquecer qualquer coisa.
—Que cheiro horrível de álcool é esse, Mackenzie? —Escutei o barulho da porta do quarto se fechando e a voz irritada de Olívia. —O que você está fazendo aí no chão?
Eu estava escorado na parede. Entre um armário e a cama. Encolhido da forma que eu ficava quando eu ainda morava com meu pai. A garrafa estava nas minhas mãos e meus joelhos escondiam meu rosto.
—Mackenzie, eu estou falando com você. —Escutei os passos dela se aproximando mais até sentir ela segurar meus rosto com uma das mãos e erguer minha cabeça sem qualquer cuidado, me obrigando a encara-la. —Se vai ficar bêbado, faça isso lá fora. —Olívia estava com uma expressão irritada, que logo sumiu e virou pura confusão quando ela viu meu rosto molhado. —Você está chorando?
—E daí? —Escorei minha cabeça na parede e soltei uma risada. —Só porque eu sou um filha da puta, significa que não posso chorar?
—Eu não disse isso. —Rebateu, agora com uma expressão neutra que esquentou meu sangue. —Porque está chorando?
—Porque se importa? —Indaguei e ela deu um passo para trás. —Vai sentir pena de mim igual a todo mundo, Olívia? Cadê os xingamentos? Cadê o "Mackenzie, você é um babaca idiota"? —Ela ficou em silêncio me encarando e eu soltei outra risada, antes de levar a garrafa a minha boca de novo. —Ótimo, mais uma para o clube que sente pena de mim.
—Eu não sinto pena de você. —Olivia arrancou a garrafa da minha mão quando fiz menção de beber de novo. Revirei os olhos e tombei a cabeça para o lado. —Você está bêbado.
—Quem se importa? —Perguntei retoricamente, abraçando meus joelhos e escondendo meu rosto, sentindo as lágrimas voltarem.
—Eu me importo, seu babaca idiota. —Olivia se ajoelhou na minha frente e suas mãos se enrolaram nos meus cabelos. As sombras estavam tão barulhentas na minha cabeça, que foi apenas ela passar pela porta que todas elas ficaram em silêncio.
—Eu odeio esse lugar. Odeio esse mundo e essas pessoas. —Afirmei, um pouco mais baixo do que pretendia. Minha voz parecia apenas uma alucinação de tão irreal e baixa. —Odeio que sintam pena de mim. Odeio meu pai. Eu... eu...
—Shiii... —Olívia me abraçou apertado e eu senti meu corpo ficar tenso com aquele gesto. Apenas Zaia havia me abraçado daquela maneira. Uma única vez quando eu estava me afundando em um poço de escuridão e solidão. Mas agora, Olívia estava fazendo a mesma coisa. —Você não pode viver o resto da vida pensando no que o seu pai te fez.
—Você não entende. Ninguém entende. —Afirmei, ainda encolhido. Eu podia sentir a respiração pesada de Olívia. —Eu sou assim por causa dele. Eu sou essa pessoa por causa do que ele fez pra mim. Eu deveria odia-lo por tudo. Mas em vez disso odiei todas as pessoas que estavam envolta de mim. Agora eu sou o garoto que todos tem pena.
—Você está errado. —Olívia afirmou. Engoli em seco quando ela afastou meu rosto e ajeitou minhas pernas até se sentar no meu colo. Encarei seu rosto, vendo apenas compreensão naqueles olhos que pareciam estar em chamas. —Seu pai está aqui ainda, Ícaro? —Neguei com a cabeça. —Então porque você está preocupado com o que ele te fez e com quem você deveria odiar, se agora você pode fazer tudo diferente? —Ela segurou meu rosto entre as mãos e se aproximou, até beijar as lágrimas que escorriam da minha bochecha. —Ele não está mais aqui. Você não é mais aquele garoto que fazia confusão. O garoto que todos odiavam. Você não é mais o Mackenzie. —Ela continuou os beijos até deixar um selinho nos meus lábios. —Você é o Ícaro. Você está aqui, no lugar que mais odeia, pra ajudar sua melhor amiga. Você está aqui por mim. Porque sabe que eu me importo com você. Porque fez uma promessa.
—O que está fazendo? —Indaguei, com a voz trêmula e ela revirou os olhos como se aquilo fosse uma pergunta idiota.
—Estou abrindo seus olhos. Estou tentando te mostrar que aquele garoto que vivia aqui não existe mais e que você é alguém muito melhor. —Balancei a cabeça negativamente, sentindo meus braços formigarem para abraçá-la de volta.
—Eu não sou alguém melhor. Não sabe o que eu fiz todos esses anos. —Retruquei e ela suspirou, longa e pesadamente.
—Mas pode ser. Eu sei que pode. Eu acredito e confio em você. E se você não conseguir, tudo bem. Podemos ser errados juntos. —Ela soltou uma risada e eu observei o sorriso que estava no seu rosto. —Eu também não sou a melhor pessoa do mundo. Não tenho amigos e a maioria aqui não gosta de mim. Então, talvez, eu e você podemos descobrir juntos como sermos melhores.
Olívia se colocou de pé e segurou minhas mãos, me obrigando a ficar de pé também. Eu observei ela tirar os sapatos e se deitar na cama, me puxando junto. Fiz o mesmo que ela e me deitei ao seu lado. Agora nós dois estávamos nos encarando, deitados um de frente para o outro.
—Eu não sinto pena de você, Ícaro. —Repetiu, como se aquela frase fosse um tipo de declaração de amor. Um tipo de "Eu te amo" mais contido.
Levei minha mão até seus cabelos ruivos e deslizei ela até chegar a sua nuca. Olívia soltou um suspiro de surpresa quando as sombras a puxaram em direção a mim. Meus lábios tocaram os dela no mesmo instante. Nossa relação nunca foi normal. Eu era irritante e insistente na questão de querer treinar aqui, quando ainda era só um guerreiro, e ela era decidida na questão de não me aceitar. Nosso primeiro beijo foi confuso e ela me prendeu em uma cela depois dele, mesmo tento aprovado o beijo. Nunca tivemos uma conversa descente sobre nós dois. Mas ela conhecia minha vida e eu conhecia a dela. E mesmo não havendo promessas de um futuro juntos, eu prometi que voltaria para buscá-la depois que dormimos juntos. Mas era isso.
Não havia nada de romântico até agora. Não até esse exato momento em que eu a beijei sem segundas intenções. Eu só queria beija-la e mais nada. E quando ela percebeu que esse gesto era a minha forma de declaração, ela sorriu e me puxou até me abraçar. Até que meu rosto estivesse escondido entre a curva de seu pescoço. Estávamos abraçados como um casal normal.
[...]
Acordei sentindo os cabelos de Olívia no meu rosto. Ela ainda estava agarrada a mim e eu a ela. Talvez estivéssemos procurando algo a nós segurar e finalmente havíamos encontrado. Me virei até que meus lábios tocaram a testa dela. Como resposta, eu senti seus braços me apertarem.
—Bom dia, Ícaro. —Sussurrou, com o rosto escondido no meu peito e eu acabei sorrindo, deixando outro beijo na testa dela como resposta. —O que é isso?
Olívia se afastou de mim no mesmo instante, parecendo assustada. Olhei para trás de mim e vi os lobos que estavam sentados no chão do quarto nos encarando. Dois deles. Imensos e negros.
—Ícaro... —Ela se levantou e parou com a mão na porta. —Como eles entraram aqui?
—Calma. As sombras devem ter trazido eles até aqui. —Me coloquei de pé na frente deles. —Eles não vão te machucar, relaxe. —Um deles se colocou de pé e se aproximou de mim. Dei um passo para trás quando ele esfregou a cabeça enorme na minha perna. —Ei, o que foi? —Ele ergueu a pata e começou a esfregar na minha jaqueta, e a me empurrar.
—O que ele está fazendo? —Olívia questionou. Enfiei a mão no bolso da jaqueta, onde ele estava esfregando a pata e puxei o papel amaçado que estava ali. Abri o mesmo e me deparei com o desenho que Holly havia me dado. —O que é isso?
Olhei para o lobo que agora havia se sentado no chão e então erguia a cabeça até soltar um uivo, seguido pelo outro lobo. Olhei para o desenho de novo.
—Eles a encontraram. —Ergui a cabeça e olhei para Olívia, abrindo um sorriso. —Pronta para matar algumas bruxas?
Continua...
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Reino de Sombras e Ascensão / Vol. 2
FantasyLIVRO 2 (TRILOGIA REINO DAS SOMBRAS) **Contém Spoilers de Reino de Fogo e Caos.** Holly aprendeu a maior lição de todas: a traição pode vir de onde você menos espera e nada custará mais caro que sua confiança. Aaron Carter está morto. Kian é o novo...