- Eu já disse que um gato não é uma boa ideia. - Ele articulou. Mas ao notar minha feição emburrada,suavizou o tom e se sentou ao meu lado no sofá. - Eu sei que anda se sentindo sozinha,desculpe estar trabalhando demais.
Ele depositou um beijo leve em minha bochecha esquerda,permanecendo com os lábios ali por um tempo.
- Eu vou adotar um gato Lucas. - Afirmei. Ainda sentindo o toque dele quando se desvencilhou para longe do meu rosto. - Meus pais nunca me deixaram ter um,e finalmente posso ter quantos bichinhos quiser no meu apartamento. Você quase nunca fica aqui, nem vai notar;
Ele suspirou. Sorrindo cansado, com certeza se dando por rendido,e assentindo com a cabeça.
- Tudo bem Lia.
Disse. Antes de se afastar de vez para pegar sua mochila no canto da sala,caminhando em minha direção novamente e depositando outro beijo leve,desta vez na minha testa.
- Nos vemos amanhã. - Sorri. Enquanto via ele se afastar até a porta. - Eu acho.
Lucas,meu namorado, estudava arquitetura e estava em um estágio na maior designer de interiores da cidade. Por isso,segundo ele, não nos víamos muito. Suas visitas se limitavam a passar no meu apartamento duas vezes por semana, se sentar um pouco no sofá enquanto assistíamos algo na TV e ir embora quarenta minutos depois. E isso se repetia semana após semana nos últimos três meses,desde que eu havia finalmente conseguido alugar um lugar próprio.
Nosso relacionamento não estava uma maravilha.Mas ele era doce,educado e uma boa pessoa. Eu estava bem ao lado dele,nossos momentos juntos eram fáceis e confortáveis. Já fazia dois anos que estávamos juntos,e depois de tanto tempo conhecendo alguém,as novidades param de aparecer. A normalidade não era ruim,longe disso, sabíamos o que cada um gostava e desgostava e isso fez as brigas sumirem ao decorrer do tempo. Não tínhamos nada para dar errado,não depois de dois anos lutando pra que desse certo. Mas as vezes,e só as vezes,me pegava imaginando se o amor era tão normal e habitual assim. Se as borboletas,arrepios e batimentos acelerados dos livros eram mesmo reais,ou só uma invenção literária. Eu precisava saber. Precisava saber se estava amando da forma certa.
O mercado estava silencioso,e já passava das dez da noite. Buscava por alguns salgadinhos,meus olhos percorriam as prateleiras em busca das embalagens desejadas sem sucesso. A esperança de achar os melhores salgadinhos de cebola estava acabando, quando ao fim do corredor pude ver a embalagem verde e brilhante de forma familiar. Caminhei com um pouco de pressa até chegar pertinho,e pega-lo em mãos. Quando,mais adiante, vi um moço escolhendo algumas balinhas de menta perto do caixa.Observei enquanto ele apanhava com uma das mãos um pacotinho que havia caído no chão,perto dos seus pés. Eu achei que conhecia aquela mão. O tom escuro e avermelhado de pele, as unhas bem aparadas e as pequenas tatuagens diferenciadas que se estendiam até os dedos. Me concentrava em checar uma por uma, quando a mão foi recolhida de minha visão. Segui então a silhueta pouco distante, moletom preto com touca,calça de moletom cinza e larga com pantufas de pato?.
Em um vislumbre pude ver a iniciativa dele em virar na direção em que o observava. Me apressei em voltar em passos rápidos para o meio do corredor. Longe o suficiente para evitar o constrangimento de ser pega no flagra secando as costas de um desconhecido. Se eu tivesse visto o cabelo dele. Poderia dar descanso a paranoia da minha cabeça.
São só tatuagens parecidas e uma mão parecida.
Existem milhões de mãos assim no mundo todo.
Esperei alguns minutos,me certificando de que o garoto das balinhas tinha ido embora,e me dirigi até o caixa. Pagando pelo saco de batatinhas aceboladas e sorrindo para a moça a minha frente. Em alguns minutos,no caminho de volta para casa me peguei olhando para o saco de batatinhas na sacola de plástico que carregava. Revendo a memória recente do garoto de moletom e pantufas de pato.
- Lilia?
Uma voz grave soou atrás de mim.
Ninguém me chamava assim. Meus pés pararam de funcionar no mesmo instante. Meus dedos se fechando ao redor das alças frágeis da sacola. O som de passos se aproximando até certa distância e parando lentamente um após o outro. A sensação da agitação de dezenas de borboletas inundando meu estômago.
Forcei meu próprio corpo a virar em direção aquela voz familiar mais mudada de alguma forma. Como se já tivesse a ouvido em algum lugar. Meus olhos ainda fitavam o chão quando me virei por completo,focados nos meus pés calçados de chinelos cor de rosa.
- Diz alguma coisa.
Aquela voz novamente. Em um tom magoado e mais baixo,as palavras se arrastando carregando um receio notável.
Meu olhar se levantou aos poucos. Primeiro pelas pantufas de pato, logo após isso o moletom cinza e largo. Até correr rapidamente para ter certeza do que meu estômago tentava me alertar. O rosto tenso,o maxilar trincado contendo algum tipo de insatisfação e os olhos escuros cravados em mim. A touca do moletom já não estava sobre a cabeça dele, e o cabelo cumprido e escuro como breu estava amarrado em um coque frouxo. Algumas mechas lisas esvoaçando com a brisa leve de vento que passava por ali. A boca entre aberta que se movimentava lentamente buscando algo para se dizer,mas desistindo no meio do caminho.
Theo.
- O que você está fazendo? - Arrastei as palavras. Minha respiração ficando ríspida e pesada. - O que está fazendo do outro lado do país?.
Meu corpo carregava uma sensação de dejavú. Certamente porque em todos os últimos dois anos, passava todas as minhas noites imaginando esse encontro. Imaginando aqueles olhos finos e escuros me olhando de perto,não perto como na tela do meu celular, perto de verdade.
- Eu vim atrás de você!. - Ele cuspiu as palavras. A voz mais ríspida. - Tentei te encontrar no seu antigo endereço mas não tinha ninguém lá.
O seu tom decaia a cada palavra dita. Seus olhos já não estavam em mim,e aquilo me trouxe uma tristeza repentina,como se algo em mim quisesse aquele par de olhos nos meus a todo custo.
- Eu não moro mais lá. - Engoli seco. - Consegui alugar um apartamento aqui perto.
Apontei para trás de mim,usando o polegar.
Meu coração ainda martelava forte no peito quando ele chegou mais perto. Os olhos dele miraram os meus novamente, e um sorriso sincero iluminou seu rosto por inteiro. Os olhos finos e pequenos viraram dois risquinhos com o ato.
Mais borboletas.
- Isso é muito legal. - Ele parecia tímido de repente e suas bochechas tinha uma coloração meio rubra. - Você merece.
E lá estava ele, o garoto tímido e doce de que eu me lembrava. Com a diferença gritante de dois anos de puberdade e amadurecimento. Não me recordava de ombros tão largos,que se tornavam notáveis mesmo sob o moletom grosso. Ou do rosto tão desenhado,com traços tão fortes. Até mesmo as expressões pareciam ter amadurecido. Mas ainda era o Theo, o sorriso continuava o mesmo.
- Você veio mesmo por minha causa?. - Indaguei. Sentindo um nó na garganta quando o vi assentir tímido. - Você está aqui a muito tempo?.
Ele se aproximou mais alguns passos, até estarmos a menos de um metro de distância.Um sorriso de canto surgindo aos poucos.E Quanto mais perto ele chegava mais altos meus batimentos se tornavam, eu sentia como se ele também pudesse escuta-los como eu conseguia.
- Um mês.
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Conectados
RomanceLilia,como a maioria dos adolescentes,tinha encontrado seu primeiro amor pela internet quando tinha seus 17 anos. Mas com o fim daquilo, a garota se sentia pronta para viver um amor mais fácil, com menos mensagens de texto e distância. Dois anos s...