Capítulo 03

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 - Quando você vai vir me ver ?

Indaguei. Os olhos ardendo pela claridade o celular em meio a escuridão do quarto. Vendo o semblante do outro lado da tela cair em uma tristeza súbita.

- Quando eu for um adulto. - Respondeu ele. Os olhos tão cansados quanto os meus. - E tiver dinheiro o suficiente pra te dar todas as cores de tinta  do mundo.

Sorri tímida,vendo-o fazer o mesmo do outro lado.

- Só algumas já bastam. - Balancei a cabeça em negativa. - Só as cores do seu rosto.

Os olhos meigos e escuros viraram risquinhos pelo sorriso feliz, os dentes da frente meio separados e as bochechas meio rosadas.

Sempre era difícil pintar uma caricatura do Theo, não pelo rosto,já que era lindo e estava lúcido em minha mente o dia inteiro. Mas sim, o estojo convencional de tintas que  nunca tinha as cores certas, dos olhos, do cabelo e principalmente da pele morena avermelhada dele. E por mais que eu tentasse misturar tons, nunca chegavam a ser exatos, não eram reais o suficiente.

- Ainda vai querer pintar caricaturas minhas quando virarmos adultos ocupados Lilia?

- Vou pintar todos os seus traços Theo. - Suspirei ,sentindo o sono pesar minhas pálpebras . - Porque vou vê-los de pertinho todo dia.


  Eu não conseguia dormir. Por mais que virasse de um lado para o outro diversas vezes na cama, e fechasse os olhos tentando relaxar,nada funcionava. Todas as lembranças jorravam na minha cabeça como um turbilhão. Cada ligação, que eu passara anos tentando apagar da minha memória, estava vívida e lúcida. Cada foto que compartilhávamos  fazendo coisas cotidianas, ou cada áudio gargalhando de memes ruins. Tudo estava de volta. Em menos de duas horas,tudo estava desmoronando em cima da minha cabeça.

  O reencontro com o Theo não deveria ser núcleo de tanta preocupação assim. Certo,ele estava aqui, na minha pequena e pacata cidade. Mas porque isso deveria me afetar?. Eu tinha tudo sob controle, namoro estável , contas pagas, casa arrumada,aluguel em dia e trabalho fixo. Mas repentinamente,me sentia uma garotinha assustada.

Eu preciso dormir.

 Porque eu nunca conseguia tirar aquele sorriso da cabeça?

Porque ainda sentia cheiro de menta?

Ele mexia comigo, os olhos escuros e finos, os lábios meio grossos e o nariz marcante.

E, o reencontro com ele, era tudo que eu menos precisava.


  Meus olhos,já pequenos,estavam inchados.Fracas  olheiras estavam abaixo dos meus olhos e meu corpo protestava pela minha falta de horas de sono. Mesmo que o dia estivesse lindo, e o jardim da casa de repouso estivesse todo florido com coloridas e diversas flores se remexendo com o vento, me sentia meio triste.

- Por que está tão tristinha ?

Indagou a senhora sentada em minha frente,sobre uma cadeira de rodas, enrolada em um cobertor cor de rosa fino.

- Não é nada demais dona Jô. - Afirmei. Me esforçando em sorrir e pondo uma das minhas mãos sobre as dela que descansavam em seu colo. - As flores não estão lindíssimas hoje?

Ela assentiu devagar.

- Seus olhos estão muito longe das flores querida. - Um sorriso terno estava estampado  em seu rosto. E ela me olhava como se já soubesse de tudo. - Conte para dona Jô o que te deixou tão avoada.

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