Ana teve um lindo sonho. Neste sonho, ela flutuava pela Ilha dos Pássaros. Uma luz dourada envolvia todo o seu corpo, que estava tão leve quanto as asas de uma borboleta. Além disso, trajava um vestido azul-claro, da cor do céu limpo, que a lembrou muito das vestimentas das rainhas das histórias que gostava de ler.
Ela se viu passando sobre os girassóis, pelo jardim da cisne, sobrevoando as flores e o lago. A ave estava lá, bela como sempre, conversando com as abelhas e os seres que viviam no lago. Depois, subindo aos céus e vendo o topo das árvores sob seus pés, ela viu o leão com seus amigos observando o alvorecer, a grande e elegante árvore que nutria toda aquela ilha, o gato branco com suas preciosas velas, o gentil elefante, a corajosa corvo e, por último, o cão-guardião; que contemplava o crepúsculo silencioso.
O vento a levou para uma parte desconhecida da ilha a partir de então. Passando por bosques, lagos, montanhas — e até mares — ela foi levada a um castelo. Feito de tijolos acastanhados, com muitas torres e janelas, era rodeado de árvores e riachos. Havia um jardim muito bem cuidado no pátio, e alguns cavalos pastavam no campo aberto. A menina não conseguiu ver muito além disso, pois logo foi levada para dentro do castelo.
Lá, o antigo prisioneiro da ilha estava sentado em seu trono, com roupas bonitas e o olhar gentil. Seus cabelos haviam crescido até a altura dos ombros, onde uma delicada coroa de ouro repousava. Ana não sabia como o homem havia conseguido construir seu tão amado castelo — e como se tornara rei de algum próspero reino do outro mundo. O que a menina não sabia, porém, era que os reis e rainhas daquele mundo só podiam ser dignos de riquezas quando se tornavam tão nobres quanto o próprio ouro.
O homem olhou para Ana, que flutuava à sua frente. Havia muitas outras pessoas ao redor, todas parecendo muito alegres, mas apenas o rei a via. Ele sorriu para a menina, e ela teve a impressão mais uma vez de que não se tratava da mesma pessoa. Sua expressão estava mais leve e harmoniosa, o olhar doce e compassivo. Nada parecido com aquele humano colérico que Ana encontrou preso, brigando consigo mesmo e com objetos inanimados.
Ele pegou a coroa de ouro de sua cabeça e estendeu os braços, colocando-a sobre os cabelos da menina.
— Imperatriz do coração — ele disse, reverente. — Seja bem-vinda novamente.
Ana devolveu-lhe o sorriso, sentindo o peso da coroa sobre a cabeça. O sonho mudou repentinamente, e a menina se viu envolta em brumas. Percebeu, então, que estava atravessando as nuvens do céu. Ela subiu até ficar acima delas — nuvens branquinhas que se transformavam a cada segundo. Queria poder ficar ali mais um pouco, pois sempre quis tocar as nuvens também; mas algo mais grandioso a aguardava.
O corpo da menina foi sendo puxado cada vez mais para o alto. O céu se tornava mais escuro conforme ascendia, atravessando a troposfera terrestre. Bem mais acima das nuvens, ela se surpreendeu ao ver casas, prédios, ruas e estradas; as quais ela atravessou sem dificuldade, observando todo o movimento daquele lugar que parecia tão real quanto as cidades de seu mundo. Ela nunca imaginou que haveria cidades nos céus — quem sabe as estrelas seriam, então, as luzes daquelas casas celestes?
Ela não ficou por muito tempo ali, pois Ana subia cada vez mais rápido à medida que ultrapassava as camadas da atmosfera planetária. E então, quando se deu conta, estava pairando pelo cosmo, vendo o planeta azul bem abaixo dos seus olhos — tão grandioso e bonito. Ana se afastou um pouco mais, observando os pontos brilhantes por todo o interior da Terra. Talvez os astronautas concluiriam que se tratava de uma extensa rede elétrica; mas para Ana, o fato apenas comprovava uma de suas teorias infantis: de que cada pessoa era uma estrela que refletia os astros do universo.
Ao redor da Terra, a menina também viu naves. Naves estas que, estacionadas próximas ao orbe, havia seres que a protegiam. Seres de outros planetas, de outras galáxias, de outros mundos, que gostavam muito daquela linda bola brilhante. Ana também viu, à distância, a Lua, o Sol e outros planetas daquele sistema solar. E, é claro, muitas estrelas. Pensou em quantas coisas deveriam haver naquele espaço infinito. Ana sentiu-se como um grão de areia diante toda aquela imensidão — mas, pelo menos, ela era um grão de areia que brilhava.
Distraindo-se de suas observações, seu gato, Hermes, surgiu da escuridão sideral e veio ao seu encontro. Ele flutuava com as patinhas estendidas; ora de cabeça para baixo, ora de cabeça para cima. Ana achou aquilo engraçado, mas alguns sonhos eram assim mesmo; e ficou ainda mais estranho e cômico quando o animal falou para ela:
— Há um universo inteiro dentro de si. E planetas com milhões de sardinhas.
Ana não sabia se aquilo era verdade ou só devaneios de seu gato, mas não teve muito tempo para pensar sobre — e nem o motivo de Hermes estar pairando pelo cosmo, como um gato-astronauta. Porém, olhando ao redor, subitamente sentiu como se realmente fizesse parte de tudo aquilo. Ana era um fragmento das estrelas, mas também dos planetas, do Sol, das luas, dos seres que protegiam a Terra; e até do seu gato, que ainda flutuava ao seu lado.
A menina olhou para o planeta novamente quando percebeu que estava prestes a despertar. Observou mais atentamente os pontos brilhantes, as nuvens, os oceanos, os continentes com suas diversas tonalidades. A Terra era tão viva quanto os seres que ali habitavam, pois Ana pôde senti-la vibrar e pulsar como um grande e nobre coração — mas que poucos saberiam ouvir.
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Microcosmos
Spiritual🌻 Era uma manhã fria de agosto quando Ana, ao seguir seu gato pelo jardim, é envolvida por uma densa névoa que a leva para um mundo que definitivamente não pertencia ao seu. Neste mundo, uma ilha repleta de bosques, montanhas, belos jardins e um l...