Prólogo

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Sinto meu estômago revirar por um momento enquanto limpo a lâmina suja de sangue no retalho encardido de linho em minhas mãos. O sangue do homem caído na minha frente jorra contra a calçada do beco mal iluminado e guardo a adaga no cano da bota, dando uma última olhada no corpo do policial antes de dar as costas a ele, saindo para uma das vias principais da cidade subterrânea, deserta a essa hora da madrugada. Caminho a passos curtos e cubro meu rosto com o capuz do manto verde que cobre os meus ombros e durante alguns instantes, apenas escuto o som dos meus pés contra a rua pavimentada, até que um chiado passa pelos meus ouvidos e paro de caminhar no mesmo instante.

–– Então vocês matam uns aos outros agora? –– A voz masculina nem um pouco impressionada dispara atrás de mim e me viro para encontrar um garoto com os braços cruzados na frente do corpo.

–– Como se isso fosse da sua conta. –– Retruco, o observando.

Já é estranho o suficiente que o garoto fale comigo dessa forma, mas encontrar um civil usando um dispositivo de manobras tridimensional é demais para mim. Me lembro dos rumores no quartel sobre um grupo de ladrões que usava o mesmo equipamento que os policiais no subsolo. Ouço vozes conversando animadas entre si na esquina a poucos metros e cerro o maxilar, sabendo que ninguém pode me ver aqui em baixo ou eu seria descoberta.

–– Escute. –– Digo, chamando a atenção do garoto para mim. Os olhos escuros me fitam, curiosos diante do meu tom sugestivo. –– Você pode pegar o equipamento dele e as minhas lâminas se ficar de boca fechada.

Ele parece ponderar por um instante e dou alguns passos em sua direção, retirando todas as lâminas reservas do equipamento preso aos meus quadris, as estendendo para ele. O cabelo escuro cobre um pouco de seus olhos mas juro que ele os revirou para mim antes de estalar a língua e pegar as peças de metal da minha mão. Não lhe dou tempo para dizer nada e arfo aliviada, prendendo o gancho do DMT a um edifício próximo e apertando o gatilho em minhas mãos, sendo puxada para o alto em seguida.

O caminho até a superfície é rápido e agradeço por ter sido o meu último dia infiltrada na polícia do interior, sorrindo satisfeita ao encontrar as ruas da cidade vazias enquanto caminho nas sombras para o ponto de encontro, próximo ao portão para o distrito de Ehrmich. Retiro o capuz e corro os últimos metros até Erwin, parado ao lado dos cavalos com uma tocha em mãos.

–– Você foi seguida? –– O loiro questiona e apenas nego com a cabeça, retirando a capa dos ombros e a jogando sobre as costas do meu cavalo, alcançando uma das bolsas presas à sela em busca do meu verdadeiro uniforme.

–– Espero que essa tenha sido a minha última missão aqui. –– Resmungo, guardando a jaqueta junto à capa e vestindo novas, ambas com a insígnia da Divisão de Reconhecimento. –– Até as pessoas daqui odeiam a Polícia.

–– E quem consegue aturar eles? –– Erwin retruca e rimos baixo antes de montar os cavalos e partir em direção aos portões.

Alguns soldados da Guarnição são subornados para abrir os portões e os atravessamos, encontrando as ruas silenciosas de Ehrmich cortadas apenas pelo som dos cascos dos cavalos contra a rua. Penso no garoto da cidade subterrânea e no último policial que matei sob as ordens do Comandante Keith, ele havia visto o meu rosto e já seria suspeito o suficiente eu voltar para Shiganshina na calada da noite após uma série de assassinatos na capital.

Entretanto balanço a cabeça, sentindo o vento frio da noite atravessar o tecido fino do uniforme me causando um arrepio breve e decido que não é algo com que eu deva me preocupar, afinal, fui enviada para diferentes distritos e entre assassinatos e roubos de documentos, ninguém nunca havia me pego.

E essa não será a primeira vez.

O Rouxinol - L. AckermanOnde histórias criam vida. Descubra agora