Inferno na Terra

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A sensação de me encolher sob minha própria capa entre os braços de Levi e apoiar a minha cabeça em seu peito parece quase um sonho depois do dia de hoje. Há conversas animadas ecoando em meus ouvidos e a fogueira grande crepita diante de nós, mantendo quente a refeição que acabamos de fazer. Aqui, limpa e com o estômago cheio ao lado de Levi, não posso evitar um sorriso tímido que escapa dos meus lábios. Estamos todos vivos, afinal.

–– Você pode ir dormir, se quiser. –– Levi diz baixo e balanço a cabeça em negação, arrancando um riso fraco dele.

–– Prefiro ficar aqui mais um pouco.

Ao longe, vejo Mike, Hange e Erwin conversarem entre si. O Comandante parece satisfeito e passa os olhos pelo acampamento improvisado, observando os soldados que se recolhem aos poucos enquanto outros montam guarda nos arredores da grande clareira onde nos instalamos, escondidos o suficiente em uma floresta.

Me aconchego mais nos braços que se prendem com firmeza ao meu redor e me rendo ao cansaço assim como as pontas dos dedos de Levi que brincam gentilmente com o meu cabelo, sentindo as pálpebras pesadas de sono e desistindo de tentar as manter abertas enquanto me deixo ser envolta pelo acalento da inconsciência.

Abro meus olhos novamente e sei que estou sonhando quando encontro o rosto do meu pai sorrindo para mim, mantendo as duas mãos atrás do corpo como sempre fazia ao trazer um presente para mim. Ele revela um pedaço generoso de torta de maçã, da minha favorita. Meu pai sempre dizia que haviam doces ainda melhores que aquele por aí, mas sempre duvidei de suas palavras enquanto mastigava a massa crocante e apreciava o sabor adocicado que se espalhava pela minha boca.

O sonho muda abruptamente para o dia de sua morte. Para a imagem de sua lápide. Para o rosto triste de Mike ao meu lado e para a casa que parecia ser até mesmo maior sem a presença dele. Desejo timidamente acordar ao sentir meu coração afundar em tristeza por um momento, tendo meu pedido concedido instantes depois.

Entretanto, não foi isso que eu pedi.

–– Sofia, Sofia! –– Levi grita em meus ouvidos e arregalo os olhos para a correria de soldados de um lado para o outro, despertando no mesmo instante que encontro as orbes cinza arregaladas para mim e um tremor alto é escutado por nós. –– Equipamentos. Agora.

Me levanto tão rápido quanto consigo, tentando me situar em meio aos soldados que correm freneticamente. Alcanço as mochilas que haviam sido deixadas em um mesmo lugar por mim, Mike e Levi no dia anterior, trocando olhares assustados com os dois assim que nos encontramos. Abro a boca para perguntar o que está acontecendo mas Mike responde antes que eu o faça.

–– Titãs anormais. Pelo menos cinco deles. Os cadetes que estavam de vigia...

Cerro os dentes enquanto visto o equipamento e Mike sabe que não precisa dizer mais nada. Me pergunto onde eu estava com a cabeça ao pensar que as coisas poderiam dar certo dessa vez. Troco um olhar breve com os dois e não há nada para ser dito quando nos separamos. O gancho do meu equipamento de locomoção se prende a um tronco frondoso de uma das árvores, observando a situação do alto, sinto as palmas das mãos soarem.

Já não há muitos soldados á vista e a maioria já se dispersou pela floresta. O titã que chega até a clareira não é muito grande, sua aparência não é das melhores e ele é tão ágil que ao menos acompanho seus movimentos quando ele me encontra, os olhos redondos e claros se arregalando quando ele se agarra ao tronco da árvore onde estou, subindo tão rápido que ao menos consigo formular uma resposta ao seu ataque.

–– Sofia! –– Escuto a voz de Mike assim como seu grito agudo quando ele me empurra.

Prendo o equipamento novamente em outro galho, despertando do meu estado atordoado no instante em que vejo Mike ser espremido entre os dedos do titã, onde eu deveria estar. Medo e raiva me inundam e avanço contra a criatura antes que ela possa ao menos pensar em devorá-lo. Os dedos são cortados e caem do alto assim que Mike se solta, dando espaço para que eu corte a nuca do titã, que cai do alto com um baque alto, emanando vapor agora de todo o seu corpo.

O Rouxinol - L. AckermanOnde histórias criam vida. Descubra agora