Apunhalada Pelas Costas

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O dia da cerimônia de nomeação de Erwin chegou tão rápido que eu ao menos percebi. Entre a rotina de treinos e terapias para tratar meus ferimentos somados ás inúmeras pilhas de papel que aceitei ajudar o Comandante a cuidar apenas para manter a mente ocupada e não pensar nos problemas maiores, entre eles, Levi.

Já faz uma semana desde que brigamos e eu o convidei a se retirar do meu esquadrão, o que o baixinho fez questão de não fazer. Continuou aparecendo nos treinos e fazendo questão de ignorar completamente a minha presença na maior parte do tempo, com sua cara de indiferença habitual. Por mais que suas palavras tivessem me magoado, minha raiva é crescente e muito maior do que qualquer resquício de tristeza.

Entretanto, me contento em compartilhar a empolgação de Erwin, que por mais apreensivo que parecesse, no fundo aparenta estar animado com o novo cargo que ocupa. O observando de longe ajeitando o uniforme impecável sobre os ombros, tenho certeza de que não há ninguém melhor do que ele para isso. Eu mesma o seguiria onde fosse sem ao menos questionar, mesmo que não o conhecesse. Meu pai dizia que há pessoas que nasceram para liderar e desde o dia em que conheci Erwin Smith eu soube que ele era uma delas.

Faço meu caminho de volta para o quartel, ajeitando o casaco pesado ao redor do meu corpo enquanto caminho pelas ruas gélidas de Shiganshina, agora iluminada pelo brilho prateado da lua cheia que brilha acima das nossas cabeças. Sorrio para mim mesma satisfeita, virando em uma viela a fim de cortar o caminho e chegar adiantada à cerimônia.

Fecho os punhos dentro dos bolsos aquecendo a mim mesma e paro de caminhar quando escuto um coro de risadas infantis e um corpo pequeno ser atirado para a escuridão dentro do beco. Franzo o cenho e respiro fundo, sentindo a irritação imediata surgir em meu âmago e caminhando devagar até o garoto caído, conseguindo pensar comigo mesma apenas no quanto eu não tenho paciência para crianças.

–– Você sabe que isso é heresia, Arlert! –– Um dos garotos maiores aponta o dedo para o que está no chão, recuando na minha direção sem perceber a minha presença.

–– Não, isso não é...

Ele é interrompido pelo punho fechado do outro menino, robusto e aparentemente forte demais para a sua idade, que segura o menor pelo colarinho e ergue o punho acima da cabeça para lhe dar outro soco, ficando imóvel quando minha voz se faz audível:

–– O que os idiotas estão fazendo? –– Cruzo os braços na frente do corpo, usando da minha melhor cara de mal humor.

O garoto solta o outro no mesmo instante e dá alguns passos para trás, me analisando com os olhos pequenos, que se arregalam no momento em que batem na insígnia em meu peito, bordada cautelosamente ao lado da minha patente recém-adquirida apenas para aquela ocasião.

–– N-Nos d-desculpe, só estávamos... –– O mais velho balança as mãos na frente do corpo e dou um passo a frente, descruzando os braços.

–– Batendo em quem está em desvantagem? Não sabia que estávamos nos arriscando fora das muralhas para proteger covardes feito você. –– O interrompo. O menino engole a seco e uma camada fina de lágrimas se forma em seus olhos. Balanço a cabeça, controlando a minha imensa vontade de rir. –– É melhor vocês sumirem da minha frente e não perturbarem mais ninguém, ou eu vou alimentar os titãs com vocês.

–– Os titãs? –– O outro diz, a pele pálida ganhando um tom ligeiramente azulado enquanto ele tateia o ar até encontrar o braço do amigo, que é puxado com ele quando ambos saem correndo. –– Nos desculpe, capitã!

Deixo a risada sair enquanto os observo sumir na rua pouco movimentada e me viro para o outro garoto, que acaba de se levantar do chão. Ele apoia uma das mãos na parede e sacode a terra do cabelo loiro, erguendo os olhos claros para mim em seguida, parecendo ligeiramente envergonhado.

O Rouxinol - L. AckermanOnde histórias criam vida. Descubra agora