Coração Partido

1K 167 74
                                    

Trost, 12 anos atrás.

Minhas pernas tremem e sinto que meus pés vão falhar a qualquer momento enquanto corro pelas ruas estreitas e lotadas do distrito subterrâneo de Trost, tropeçando nos desníveis do concreto enquanto meus pulmões respiram o ar gélido do inverno com dificuldade. Ignoro a dor que irradia por todo o meu corpo enquanto as palavras da minha mãe se repetem seguidas vezes na minha mente como um mantra apesar do timbre embebido em desespero de sua voz.

Corra, Sofia! Fuja agora!

As lágrimas grossas escorrem pelos meus olhos porque sei que não a verei outra vez. A imagem nítida de seu corpo frágil sendo atirado no chão marcada a ferro na minha mente enquanto meus instintos fazem o que podem pelo meu corpo, que luta consigo mesmo pela sobrevivência. Não consigo me lembrar quando foi a última vez que comi, mas ao menos me importo com meu estômago vazio enquanto procuro qualquer lugar para me esconder.

–– Ei, tome cuidado!

A voz da mulher desconhecida que acabo de empurrar com os cotovelos ralha para mim e viro a cabeça para lhe pedir desculpas por cima dos ombros, mas antes que eu possa dizer qualquer coisa, sinto meu corpo colidir com algo sólido. Na verdade, com alguém.

–– Olha por onde anda, pirralha! –– O homem alto e esguio ajeita o chapéu claro sobre sua cabeça enquanto os olhos escuros me encaram com desprezo.

Tateio o chão com as mãos buscando apoio para me levantar, sentindo meus membros fraquejarem outra vez. As lágrimas ainda descem descontroladas pelo meu rosto enquanto recuo, me arrastando para trás enquanto ele se abaixa para ficar à minha altura. Os dedos compridos se enroscam no cabelo do topo da minha cabeça e solto um grunhido alto de dor quando ele os puxa para que eu erguesse o meu rosto.

–– Você está fugindo de quem, hein? –– Ele sorri ladino. –– Seja lá quem for, vai pagar alguns trocados por você.

Meu coração dispara e obrigo meu corpo a se mover, me desvencilhando do homem, o chutando em um dos joelhos com toda a força que consigo reunir. Me levanto desajeitada, correndo na direção oposta para a qual seus olhos disparam ao me procurar, praguejando de dor. Meus pulmões falham aos poucos e sinto que vou desmaiar a qualquer momento. Entretanto, não posso parar de correr, não agora.

Avisto uma viela mal iluminada e decido por mim mesma que ali seria um bom esconderijo. Estou prestes a ser acolhida pela escuridão da passagem estreita quando alguém segura minhas roupas, me puxando para trás com força em um gesto brusco.

–– A garota achou mesmo que ia fugir? –– Escuto dessa vez a mesma voz do homem furioso que bateu á porta da nossa casa há algumas horas, cobrando as dívidas da minha mãe. Me debato em seu aperto firme, gritando a plenos pulmões enquanto raiva e medo inundam meus pensamentos. –– Vamos logo, o comprador está esperando.

Mas ninguém veio me ajudar. Ele me jogou sobre os ombros e caminhou tranquilamente sob o som dos meus pedidos de ajuda. Estendo os braços para as pessoas que passam por nós mas nenhuma delas ao menos olha para mim. Todos continuam o que estão fazendo, seguindo seus caminhos cabisbaixos e com os ombros caídos. Meus braços e pernas desistem de lutar no mesmo instante em que a voz desapareceu dos meus pulmões. Não tenho forças ao menos para limpar as lágrimas que descem em cascata pelo meu rosto, tampouco para lidar com a dor crescente e aguda em meu peito.

Não faço ideia de quanto tempo se passou até que o homem para de andar e me coloca no chão. Permaneço de pé ao lado dele, estoica, fitando a silhueta que vem em nossa direção pela rua agora deserta. Desperto para a realidade e caio sobre meus próprios joelhos quando um som alto ecoa no entorno, reverberando pelo meu corpo. Cubro os ouvidos e fecho os olhos com força, os abrindo apenas quando os passos se aproximam e param diante de mim.

O Rouxinol - L. AckermanOnde histórias criam vida. Descubra agora