A vida nunca foi muito boa comigo e a sorte nunca foi uma grande amiga minha.
Quer dizer, não é como se em todas as linhas tortas escritas pelo destino, não houvessem momentos bons ou minimamente felizes, mas em suma eu não poderia me considerar com uma sorte abundante ou um privilegiado.
Costumava dizer que tudo começou com o fatídico dia em que meus pais morreram misteriosamente quando estavam voltando de uma viagem de negócios. Não tínhamos família na cidade e aparentemente toda a fortuna que um dia possuímos havia escorrido por entre os dedos do pai da família. Mamãe esperava o segundo filho, este que nunca chegou a nascer. É um grande começo de vida para um moleque de pouca idade.
Felizmente fui encontrado por um senhor após fugir do que deveria ser o terceiro orfanato que me mantinha na cidade por mais de duas semanas, e por alguma razão o homem fixou o olhar em mim e falou, curto e seco como percebi fazer sempre: Você viverá conosco.
Simples, fácil e rápido.
O Senhor era amigo de meus pais, eu e seu filho convivíamos bem, mas nunca me senti realmente... parte de algo.
E eram tais coisas que rondavam minha mente enquanto eu caminhava pela calçada quebrada das ruas naquele fim de tarde, tendo o vislumbre do céu e suas diversas cores que o adornavam ao por do sol. O laranja misturado ao rosa e ao leve azul que o cobria me dava uma sensação estranha de paz, mesmo que momentânea.
Quem dera ter momentos de paz inestimáveis como aqueles mais vezes
O caminho da qual percorria era longo, sinuoso, não fazia ideia de onde estava indo ou a razão de estar indo. Sabia que me perdia com uma facilidade absurda, mas não é como se eu me importasse, não naquele momento.
Os fones em meus ouvidos tocavam alguma música da qual não me lembrava o nome, muito menos a música, porém soava melodiosa assim que as notas pousavam sobre mim. Contava sobre o sol, a lua e as estrelas, uma vida boa, bonita e estável. Fixei os pés calçados por um all star surrado no chão sujo de terra batida, sentindo o vento contra meu rosto, bagunçando os fios castanhos e os espalhando por toda a extensão de minha face pálida. Era bom sentir algo que não fosse a agonia de viver uma vida que não condizia com a realidade se minh'alma, algo diferente do eu fechado da qual havia me tornado, diferente da raiva repentina que invadia meu ser todas as noites pontualmente, do sufoco causado por minha própria mente cansada e me causava enxaquecas terríveis durante a manhã.
Permiti-me olhar ao redor, notando o terreno abandonado da qual havia chego a passos lentos. Os muros caindo aos pedaços eram adornados por pichações que faziam menções a quem quer que se achasse no direito de tomar o terreno para si, a grama alta sustentava-se firmemente a cada rajada de vento que balançava os galhos das árvores como se os fossem arrancar do lugar. Sorri um sorriso pequeno e sem graça, frouxo como se estivesse prestes a escapar de meus lábios antes de dar meia volta, tendo em mente que deveria voltar pelo mesmo caminho que havia traçado sem ao menos perceber.
Aquela era a parte mais empolgante de se perder, ter que se encontrar novamente. Talvez fosse por isso que apreciasse tanto os desencontros que dava em minha própria cidade.
Assim, talvez, eu pudesse me encontrar de verdade.
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Compilado de Aleatoriedades
Short StoryDiferente do meu habitual, deixarei aqui alguns contos e Oneshots que escrevi durante os anos, para que vocês possam ler e aproveitar um pouco das minhas aventuras literárias nada convencionais, assim como meus devaneios literários que tenho guardad...