12- Desconexo

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Caminhar nunca me pareceu tão difícil.

Quer dizer, não passa do ato involuntário de mover as pernas, uma de cada vez, com o intuito de sair do lugar.

Um, dois, três, quatro... levante o pé, estique o joelho e encoste o peito do pé no chão, agora o calcanhar. Repita, mais uma vez, pé, joelhos, peito, calcanhar, pé, joelho...

Cansativo.

Vejo todos os meus sonhos se esquivarem de mim como fugimos de nossas próprias inseguranças. Um por um, voando ao vento sem que eu pudesse pegá-los... ou talvez só não os quisesse pegar de volta.

Eram inconstantes, bobos... nada que daria certo.

Mas era para eu caminhar, porque estou parado? A rua está tão cheia, os carros buzinam freneticamente. O sinal já abriu, um lado da via voltou a ser ocupada por inúmeros carros, mas a outra.... porque não andam? Abaixo de meus pés a faixa de pedestre permanece intacta, apenas sendo manchada pelos pingos grossos de chuva a cada 2 ou 3 segundos. Seria uma tempestade terrível.

Mais uma buzina, dessa vez acompanhada por uma série de xingamentos. O senhor está estressado, é só acelerar o carro, não está vendo? Não há nada na frente, a não ser eu.

Uma casca de alguém que um dia teve sonhos e sentimentos bombardeando cada espaço de meu próprio universo.

O que aconteceu a final? Onde estou?

Buzina, gritos, xingamentos. Repetitivo. Sou eu quem está parando o trânsito? Wow, não sou tão invisível quanto achava que era.

Caminhar, vamos focar em caminhar. Pé, joelhos, peito, calcanhar. Pé, joelhos, peito, calcanhar. Mais uma vez, pé...

Nada mudou ao chegar do outro lado. Qual o sentido de ter caminhado até aqui?

Minutos gastos, vidas mudadas por minha causa, sonhos abandonados no meio da estrada. Mas eu só atravessei a rua em direção ao trabalho.... o que exatamente eu deveria ter feito?

Caminhar de novo, recomeçar o movimento repetitivo das pernas. Lembre-se de respirar, inspire, expire, inspire, expire, olhe para os dois lados, atravesse, pé, joelho, peito, calcanhar, acene, estamos indo bem, pé, calcanhar, oops, erramos, não caia. Recomece devagar, pé... como era mesmo?

Meu corpo bambeou, parei mais uma vez.

Onde estou? Como ao menos cheguei aqui? As mesmas perguntas, a mesma falta de respostas.

É como se estivesse.... vazio.

Olhos pregados em outras pessoas. Caminham, caminham, pegam o telefone, atendem, desligam, caminham, acenam, esbarram, caminham. Onde estão indo? Porque parecem tão igualmente vazias?

Uma delas me dirige um sorriso. É fraco, é frio, é sem graça, mas ainda assim um sorriso. O único do dia, porque o recebi? Acenei, mas porque acenei?

Meus pés voltaram a caminhar, um, dois, três, quatro, a chuva embaça meus óculos, porque não trouxe guarda-chuva? Um, dois, três, pessoas, pessoas, sapatos, chuva... não sei onde estou, não sei para onde vou, o que estou fazendo... vazio.

É...

Talvez eu seja apenas mais algum corpo vazio, ao final de tudo.

Ao lado de tantos outros corpos vazios que fingem estar cheios de vida.

Compilado de AleatoriedadesOnde histórias criam vida. Descubra agora