09- Ato 0

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Todos os seus amigos estavam lá, todos mostravam o resultado de mais um ano de árduos ensaios, de diversos tombos, de broncas, de exercícios exaustivos, de erros e acertos.
Seu sorriso mostrava o quão orgulhosa estava de todos eles, de todos os movimentos bem definidos sendo passados acima do palco, de como eles não se cegavam com toda aquela luz ou se sentiam intoxicados por aquela fumaça. Ela se sentia, sempre reclamava o quão horrível era estar la em cima e não enxergar ao menos sua posição ou seus colegas, não ter certeza de que seu movimento estava correto.
Ela, dessa vez, os assistia sem participar de toda a grandeza ao seu redor. O teatro estava preenchido pela música alta, o breu vez ou outra era invadido pelas luzes coloridas. Ela não sentia como era estar ali em cima pela primeira vez e isso a consumia, mas não iria demonstrar. Não iria quebrar todos os muros que criou durante aqueles árduos 6 meses que levou para se preparar psicologicamente para esse dia.
Ela assistiu até o final, primeiro e segundo ato, os poros queimando em algum sentimento da qual ela não saberia descrever, os olhos ardendo por tantas lágrimas seguradas durante aquelas duas horas. Talvez as duas horas mais complicadas de sua vida inteira.
O palco estava vazio, aqueles que mostraram seu árduo trabalho já não se encontravam mais ali, talvez com excessão de um ou dois. A chuva batia forte contra o teto de vidro do mesmo modo que seus pés a levaram rapidamente até a escada de madeira, pulada rapidamente.
E então ela estava mais uma vez em cima do pódio de madeira encerado, seu coração saindo pela boca ao olhar para os lados, tendo certeza que ninguém a observava.
Em sua mente, a melhor melodia era tocada, fazendo com que seu corpo passasse a se mover lentamente e timidamente, não querendo chamar a atenção de quem estivesse ali.
Ali fora onde sempre se sentira viva, onde todos os seus sentimentos saiam de si e tomavam forma em seus movimentos. Ali ela nunca sentiu medo, nunca se sentiu inferior, nunca se sentiu menos do que era. Ela se sentia completa, como nada poderia a fazer sentir.
Seu corpo se balançava ao ritmo da música imaginária, sua mente recriava todos os anos onde esteve ali em cima. Ela sentia o cheiro doce da fumaça no palco, as luzes cegando seus olhos, ouvia os gritos de todo o público.
Se sentia viva.
Se sentia mais viva do que nunca.
E então, no auge de sua euforia, ela caiu. Seu corpo contra o chão frio, os cabelos curtos e molhados pelo suor colados em sua testa, o peito subindo e descendo em uma respiração descompassada que a amedrontava. Sentiu mais uma vez seus olhos queimarem ao que levantou a cabeça e se deparou com um único expectador.
As bochechas coraram ao ouvir o garoto bater palmas, as palmas mais animadas que um dia já passaram por aquele teatro. Se levantava sentindo o corpo doer, mas sua aura estava repleta de plenitude, como se nada pudesse a abalar, mesmo aquela pequena queda.
Seus olhos pousaram nos do menino, que lhe sorria tão grande quanto era possível, e ali ela soube.
Ela soube que toda aquela energia nunca sairia dela, soube que era grande, que era indomável, que era forte.
E antes de descer daquele palco, ela olhou para o piso encerado, deixando que suas lágrimas marcassem o chão, pois ela sabia, ela tinha total certeza, de que tudo aquilo que ela buscou superar através de muros durante tanto tempo havia sido superado exatamente do jeito que começou.
Pelas expressões de seu corpo.

Compilado de AleatoriedadesOnde histórias criam vida. Descubra agora