Bônus - Miles 1

23 6 2
                                    

O Dia de Ação de Graças, Miles nunca gostou muito desse feriado mas aquele ano parecia que a data seria um pouco melhor. Na verdade, o Dia de Ação de Graças naquele ano tinha seus prós e contras, começando pela vantagem de que estava longe de seu pai homofóbico e sua mãe que insistia em apoiar cada passo do marido, mas com um enorme contra. Ele estava preso em uma mansão enorme e cheia de velharias valiosas e sendo obrigado a manter aquele sorriso falso nos lábios durante quase cinco horas.

— Miles, querido, pode pedir um pouco mais de vinho para os garçons na cozinha por favor? — Sua vó, uma das velharias mais valiosas naquela mansão, pediu sorrindo educadamente.

— Sem problemas — Ele respondeu agradecendo mil vezes por ter a oportunidade de fugir daquela festa e se esconder na cozinha.

Não que Miles fosse um daqueles jovens mal-educados e mal-agradecidos que só sabem reclamar da vida, ele não era, o problema é que famílias ricas que nadavam em dinheiro como o Tio Patinhas não se davam muito bem com um garoto gay que morava em um dos subúrbios de Nova York, sempre faltava assunto mas nunca olhares carregados de maldade. Miles gostava de participar de uma das famílias com mais heranças que existia por Washington, jogos em quadras de tênis e corridas de kart, beber champanhe educadamente e jantar caviar ou salmão quase todas as noites, até nadar nas piscinas particulares e conversar sobre quadros famosos com algumas senhoras educadas, tudo isso o atraía mas na maioria das vezes o cansava rápido demais.

Após desviar de diversos convidados o garoto finalmente chegou na cozinha, limpa e cheia de barulho como sempre, Miles sempre foi péssimo em cozinhar mas aquele lugar era estranhamente onde ele mais se sentia confortável no meio daquela confusão de pavões ricos com seus narizes empinados. Ele deu um aviso breve para um dos garçons presentes e entrou na dispensa de alimentos que estava mais cheia do que qualquer supermercado perto de sua casa em Nova York, se sentou no chão perto de sacos de farinha e batatas e puxou seu celular do bolso de sua calça de grife.

Ainda é estranho ter essas coisas que eu não posso pagar nem se vendesse meus órgãos.

O garoto entrou em um dos seus aplicativos de mensagens para responder alguns de seus amigos, a primeira mensagem era de Cassie com uma piada bastante suja e logo em seguida um "Feliz Ação de Graças seu idiota", aquilo era literalmente o que resumia aquela garota. As próximas foram de Amy, Kevin, Grace, Alex e um garoto que Miles havia beijado em seu primeiro mês na NYU, nada pervertido mas que com certeza não deveria ser enviado a alguém cujo namorado é um dos melhores jogadores de futebol americano da Universidade. A última mensagem era desse jogador de futebol americano, mas Miles não queria responder.

Era engraçado como todos a sua volta julgavam Kyle e Miles como o melhor casal que existe, quando na realidade eles estavam a quase dois passos de um desmoronamento drástico e que com certeza deixaria enormes feridas em ambos, era difícil ter que lidar com essas merdas sozinho. O problema não era Kyle, até porque ele sempre amou muito e sempre foi extremamente maduro em qualquer decisão que tomava ou pensava em tomar, ele nunca mentia mas se mentia era para dizer que a camisa rosa choque de Miles combinava com sua calça verde pastel, ele era sempre a pessoa mais educada do mundo, quase nunca perdia a linha em relação a bebidas e passava cem por cento de confiança em tudo. Mas o problema poderia ser Miles, já que ele quase sempre decidia chorar e sofrer sozinho, ele amava muito mas também mentia muito porque não era justo deixar alguém tão bom quanto Kyle saber que o mundo era podre e cruel, e que seu namorado era a pessoa mais destruída que existia naquele mundo podre e cruel.

Ele não era um jogador extremamente talentoso de futebol americano e nem ótimo com contas, na realidade ele nem sabia se teria uma profissão boa algum dia porque uma vez lhe disseram que a arte não o levaria longe, ele não levou o comentário a sério mas aquilo o assombrava algumas vezes. Miles era, em sua visão, a pior pessoa que existia no mundo, um pai que o odiava e uma mãe que não o procurava, um mentiroso de primeira e o melhor ator que já existiu, porque ele constantemente fingia estar feliz mesmo sem forças para sair de sua cama. Miles não merecia alguém tão bom quanto Kyle e por isso não queria responder as mensagens dele, porque ele ainda não tinha coragem de terminar com a única pessoa que o fez se sentir amado de verdade.

Não me deixe ao caosOnde histórias criam vida. Descubra agora